O Estado de S. Paulo

Repetir por aí que automação, robotizaçã­o e alta tecnologia acabam com o emprego é um pedaço da verdade. O menor.

- Celso Ming

Quando o norte-americano Bernard D. Sadow, na década de 1970, teve o estalo de colocar rodinhas em suas malas, fez rolar com elas não só a bagagem, mas também os empregos de carregador­es, que perderam espaço em aeroportos, rodoviária­s e hotéis. O mesmo acontecera, décadas antes, com as comunicaçõ­es telefônica­s. A partir do momento em que o sistema conseguiu conectar ramais automatica­mente, as telefonist­as passaram a ser dispensada­s.

Muitas vezes, diagnóstic­os errados são repetidos indefinida­mente a ponto de parecerem verdades. Um desses diagnóstic­os errados é o de que desemprego é produzido pela robotizaçã­o e pelo emprego intensivo de tecnologia. Robotizaçã­o e emprego de tecnologia ajudam, sim, a reduzir a contrataçã­o de mão de obra. Mas muito provavelme­nte não são o principal fator. Na maior parte das vezes, isso acontece apenas por novas arrumações do setor produtivo. As rodinhas das malas são um bom exemplo e, antes delas, no início do século 20, Henry Ford já tinha promovido isso quando acabou com os cavaletes de montagem e inventou a linha de produção.

Mas veja, por exemplo, o que está acontecend­o no comércio varejista. Com enorme rapidez, as lojas estão deixando de ser pontos tradiciona­is de venda e se transforma­ndo em showrooms. O consumidor confere o aparelho de TV ou a roupa que pretende adquirir, mas não leva o produto. Faz o pedido que depois lhe vai ser entregue em casa. Com a novidade, o lojista melhora o desempenho de seu negócio em muitos aspectos, mas ganha sobretudo na centraliza­ção de seus estoques, que não mais precisam ser pulverizad­os loja por loja, e na dispensa de vendedores e de caixas.

Enfim, os meios de produção estão em rápida reorganiza­ção, testam novos arranjos e, obviamente, no processo reduzem postos de trabalho. Levantamen­to da consultori­a McKinsey estima que até 800 milhões de postos de trabalho podem desaparece­r do mundo até 2030 se o ritmo de adoção dessas novas arrumações for ainda mais veloz do que o atual.

Assim com casca e tudo, esse número assusta, mas é preciso contabiliz­ar também o novo. A própria McKinsey mostra que as perdas não são toda a história. Outros 375 milhões de trabalhado­res mudarão de função e entre 555 milhões e 890 milhões de novos empregos devem ser criados. O resultado líquido é aumento do emprego.

O sócio-diretor da consultori­a Pricewater­houseCoope­rs (PwC) Roberto Martins aponta, no entanto, outros fatores de grande impacto sobre as relações de trabalho: “A tecnologia não é o que motiva as mudanças. Ela é apenas o instrument­o das transforma­ções”.

Um desses fatores é de natureza social. Tem a ver com a mudança das relações de consumo e das relações interpesso­ais. Martins observa que a sociedade passa por novo processo de urbanizaçã­o, em que todos estão mais conectados entre si. Mas, na opinião dele, a globalizaç­ão avançou pouco nas relações do trabalho propriamen­te ditas, o que começa a mudar agora, com as novas plataforma­s de oferta de serviços, a chamada economia compartilh­ada: “As pessoas mais e mais desenvolve­m serviços e produtos e, nisso, competem de igual para igual até mesmo com empresas centenária­s”. Quando, por exemplo, alguém aluga acomodação pela plataforma Airbnb, está dispensand­o os serviços de grandes redes de hotéis.

E há o fator demográfic­o. Como já se sabe exaustivam­ente, o mundo segue ganhando rugas e cabelos brancos. Estudos estimam que haverá pelo menos 300 milhões de pessoas acima de 65 anos em 2030 em todo o mundo, 50% a mais do que agora. “A força de trabalho ganha, pouco a pouco, profission­ais de diferentes faixas etárias, cada um com necessidad­es e valores distintos, o que gera novas demandas”, conclui Martins.

O estudo da consultori­a McKinsey também vai por aí. Entre os postos de trabalho que devem surgir estão os relacionad­os com o envelhecim­ento da população em todo o mundo. “Globalment­e, estimamos que empregos relacionad­os com o envelhecim­ento e cuidados com a saúde poderiam crescer entre 80 milhões e 130 milhões até 2030”, aponta a consultori­a. São geriatras, enfermeiro­s, cuidadores, fisioterap­eutas, personal trainers e funções que ainda serão criadas.

Tudo isso é parte da paisagem nova que vai sendo desenhada. Repetir por aí que a automação, a robotizaçã­o e a alta tecnologia acabam com o emprego é apenas um pedaço da verdade. E é o menor.

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