O Estado de S. Paulo

Sem ter mais ninguém em quem se agarrar, Macron fará parceria com Merkel, mesmo estando ela enfraqueci­da.

- Gilles Lapouge

Merkel 3 acabou. Começa o Merkel 4, com muito atraso. Quando Angela Merkel estava por cima, era brincadeir­a de criança montar uma equipe para governar por quatro anos. Mas os tempos são outros e a viagem promete ser agitada. Muitos se perguntam se esse time, meio devagar, vai conseguir chegar ao fim do mandato.

É o resultado do desempenho medíocre de Merkel nas últimas eleições. Finalmente, após meses de conversaçõ­es, o SPD (socialista­s) concordou em formar um governo com a CDU (conservado­res), sem esconder divergênci­as tão fortes que a chanceler se verá constantem­ente ameaçada de ser descartada.

Esse enfraqueci­mento de Merkel pôde ser sentido na composição do novo governo. Um exemplo: para o Ministério da Saúde, ela nomeou Jens Spahan, que é da CDU, mas detesta a chanceler. Spahan não gosta da tolerância de Merkel com os imigrantes. Homossexua­l, ele associa a homofobia ao Islã. E por que Merkel o nomeou? Porque outrora, quando tinha um inimigo, ela o levava para o governo e o engolia.

Não surpreende, portanto, que “Merkel 4” não tenha a simpatia incondicio­nal dos alemães. “Merkel chefia uma coalizão de derrotados”, disse o cientista político Marcel Dirsus, da Universida­de de Kiel. Fazendo um balanço dos 12 anos de Merkel, ele conclui: “Foram um misto de tédio profundo e de apostas audaciosas nascidas de impulsos como o abandono da energia nuclear e a admissão de refugiados. Ela pode ser uma excelente administra­dora, mas não é uma visionária.” O novo ministro das Finanças, Olaf Scholz (SPD), avaliou que “a grande coalizão não começa como um casamento nascido do amor”.

Mas há na Europa um dirigente que está muito satisfeito com o novo governo de Merkel: o presidente francês, Emmanuel Macron. Fazia seis meses que ele ardia de impaciênci­a. Havia decidido ser o novo homem forte da União Europeia. Mas, como tal, precisava de um “vice” também sólido – como a líder da Alemanha, país mais poderoso da Europa.

Para tocar os projetos ciclópicos que tem para a UE, Macron vai precisar de um “braço direito”. Merkel talvez seja um braço meio trêmulo, mas o tempo urge e Macron não pode esperar. A UE se deteriora em mãos de governos que pendem para todos os lados, principalm­ente para o populismo, a anti-Europa e o ódio ao estrangeir­o.

Macron talvez seja o último grande europeu e a última chance da UE. Por isso, não pode esperar. A UE está tão doente que o caminho de Macron será acidentado. Assim, sem ter mais ninguém em quem se agarrar, fará parceria com Merkel, mesmo estando ela enfraqueci­da. Nada mais natural que ela faça sua primeira visita pós-reeleição a Paris – antes da reunião do Conselho Europeu, nos dias 22 e 23, em Bruxelas.

É preciso dizer que Macron começou suas grandes manobras europeias antes da formação da coalizão alemã. São projetos que ele já havia exposto à França durante a campanha eleitoral, um ano atrás. Como ficam hoje? Criar um Parlamento para a zona do euro? É uma ideia divertida! Entronizar um superminis­tro para toda a Europa? Ulalá! E o projeto macroniano de um orçamento comum para a zona do euro?

Ocorre que as capitais europeias têm problemas mais urgentes para resolver. No momento, elas se descabelam para descobrir como compensar os ¤ 14 bilhões que perderão com a saída dos britânicos da UE. Em suma, Macron não apresenta grande coisa. Mesmo a chanceler Merkel está cautelosa. “É preciso entender que vivemos um momento histórico”, disse ela.

Sem aliados na UE, nada mais natural que a primeira viagem de Merkel seja a Paris

É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

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