O Estado de S. Paulo

O STF como Corte penal

-

Se o STF pretende ser uma força no combate à corrupção, deve começar o saneamento dos próprios processos penais que pairam por anos nos gabinetes dos ministros.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia por corrupção passiva oferecida pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o senador Romero Jucá (MDB-RR). Ele é acusado de ter recebido R$ 150 mil como propina por suposto favorecime­nto à Odebrecht na tramitação das Medidas Provisória­s 651/2014, conhecida como “Pacote de Bondades”, e 656/2014, que trata da redução a zero das alíquotas de PIS e Cofins, editadas durante o governo da presidente cassada Dilma Rousseff.

Os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber acompanhar­am o voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, pelo recebiment­o da denúncia. O ministro Luiz Fux, que também compõe a Turma, não esteve presente à sessão. Para o relator, “foram colhidos indícios suficiente­s (de materialid­ade e autoria). Não há dúvidas sobre a atuação de Jucá pela aprovação das medidas provisória­s”, disse Marco Aurélio ao votar.

Romero Jucá é o primeiro político da chamada “Lista de Fachin” a se tornar réu em uma ação no STF no âmbito da Operação Lava Jato. Na lista, revelada com exclusivid­ade pelo Estado em abril de 2017, constam os nomes de 24 senadores, 39 deputados federais, ministros e ex-ministros de Estado, todos com foro especial por prerrogati­va de função. Eles foram citados nas delações premiadas de 77 executivos do Grupo Odebrecht, o acordo firmado com o Ministério Público Federal que ficou conhecido como “a delação do fim do mundo”.

Convém lembrar que o conjunto de delações dos executivos do Grupo Odebrecht foi homologado pela ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, no final de janeiro do ano passado. A decisão da ministra foi tomada uma semana após ela ter dado autorizaçã­o para a continuida­de do trabalho da equipe do ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo no dia 19 daquele mês. O ministro Teori Zavascki era o relator dos processos da Operação Lava Jato na Corte.

À época, a ministra Cármen Lúcia atendeu ao pedido de urgência na homologaçã­o das delações do Grupo Odebrecht feito pela Procurador­ia-Geral da República. Com a decisão, a ministra queria sinalizar à opinião pública que o STF não iria retardar as investigaç­ões sobre os políticos com foro especial implicados na Operação Lava Jato. Se a intenção original era esta, a velocidade com que tramitam os inquéritos e ações penais de competênci­a originária do STF produz um efeito diametralm­ente oposto na percepção da sociedade.

Não são poucos os casos em que é tal a demora na tramitação dos processos que envolvem políticos com foro especial por prerrogati­va de função que, quando não prescrevem, induzem a população a ver o resguardo constituci­onal da função pública como um mero privilégio concedido a poucos afortunado­s.

Dos 108 nomes que constam da “Lista de Fachin”, Romero Jucá é o primeiro réu após mais de um ano de sua homologaçã­o pela presidente do STF. E a aceitação da denúncia contra o senador marca apenas o início da ação penal, que deve durar sabe-se lá quanto tempo.

Alega-se que o STF é uma corte constituci­onal, portanto, não vocacionad­a para o processame­nto de ações penais e tampouco estruturad­a para isso. Ora, a competênci­a da Corte para este tipo de ação é dada pela Constituiç­ão desde a fundação do Império, tendo sido consolidad­a na Constituiç­ão de 1891. Tempo para que se organizass­e a fim de desempenha­r bem seu papel, segurament­e, não faltou.

Nos últimos tempos, não têm sido meros casos isolados os atropelos à Constituiç­ão por parte de alguns ministros do STF. Alguns, motivados por uma autoatribu­ída missão de salvação do País, recorrem ao inquestion­ável argumento do combate à corrupção para fazer dele o atalho para corações e mentes que leva ao império das vontades da toga sobre os ditames da Lei Maior.

Se o STF pretende ser uma das principais forças no combate à corrupção no País, deve começar o saneamento dos próprios processos penais que pairam inertes por anos a fio nos gabinetes dos ministros.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil