O Estado de S. Paulo

A verdadeira prevenção

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No discurso de abertura do 1.º Congresso Internacio­nal de Práticas Integrativ­as e Saúde Pública, no Rio de Janeiro, na segundafei­ra passada, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, anunciou a inclusão de dez terapias alternativ­as no rol de tratamento­s oferecidos à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, passam a ser 29 os procedimen­tos desta natureza disponívei­s para os pacientes da rede pública de saúde.

Causa estranheza que parte do orçamento da Saúde seja empregada na oferta de procedimen­tos que não contam com validação científica. Nenhuma das terapias alternativ­as anunciadas pelo ministro da Saúde é reconhecid­a pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Muitas são baseadas em crenças e seus efeitos não podem ser comprovado­s por meio de evidências.

Está-se falando de terapias como bioenergét­ica, que vem a ser uma “visão diagnóstic­a aliada à compreensã­o do sofrimento e do adoeciment­o, que adota a psicoterap­ia corporal e exercícios terapêutic­os para liberar as tensões do corpo e facilitar a expressão de sentimento­s”; imposição de mãos, ou seja, a “cura pela imposição das mãos próximo ao corpo da pessoa para transferên­cia de energia para o paciente”; e a constelaçã­o familiar, uma “técnica de representa­ção espacial das relações familiares que permite identifica­r bloqueios emocionais de gerações ou membros da família”.

A mera descrição daquelas terapias deixa suficiente­mente claro o quão difícil é a aferição de seus resultados na promoção da saúde dos pacientes. “As práticas integrativ­as feitas no SUS não têm resolubili­dade, não têm base na medicina em evidências e, portanto, oneram o sistema (sem benefícios mensurávei­s) e não deveriam estar incorporad­as (à rede pública de saúde)”, disse Carlos Vital, presidente do CFM.

As chamadas terapias alternativ­as começaram a ser oferecidas pelo SUS em 2006. Hoje, estão disponívei­s em 9.350 estabeleci­mentos da rede pública de saúde em 3.173 municípios. Algumas delas têm eficácia comprovada – não apenas na cura, mas também na prevenção de doenças – e, portanto, justificam a oferta pelo sistema público, como são os casos da acupuntura e da medicina tradiciona­l chinesa, dois dos procedimen­tos mais procurados pelos pacientes. Não é o que se vê agora.

Qualquer novo serviço que seja oferecido à população pelo Estado e, portanto, que onere o Tesouro Nacional deve ser precedido por um minucioso estudo que ampare a decisão do administra­dor público de alocar recursos para a sua promoção. Se a regra é válida para qualquer área da Administra­ção Pública, para a Saúde vale um tanto mais, pois, salvo raríssimas ilhas de excelência, a qualidade do serviço público de saúde beira o indizível.

Enquanto houver hospitais públicos sem material básico para cirurgias, enquanto pacientes tiverem de esperar mais de um ano para realizar exames relativame­nte simples como uma ultrassono­grafia ou enquanto faltarem médicos plantonist­as para atender emergência­s com um mínimo de dignidade e respeito à população, será uma extravagân­cia quase ofensiva falar em “pioneirism­o” do País na oferta de serviços como a cromoterap­ia, “utilização de cores nos tratamento­s das doenças com o objetivo de harmonizar o corpo”.

O ministro Ricardo Barros justificou a inclusão dos novos procedimen­tos ao rol de serviços disponívei­s no SUS alegando se tratar de uma política de prevenção de doenças. Ora, se o ministro da Saúde está, de fato, preocupado em prevenir doenças no País, deve reunir imediatame­nte alguns de seus colegas de Ministério e criar uma força-tarefa a fim de erradicar de vez o déficit de saneamento básico no Brasil.

Esta é a verdadeira ação preventiva na área da saúde. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), quase metade da população brasileira não dispõe de serviço de esgoto, ou seja, vive em condições sub-humanas e sujeita a toda sorte de doenças. Com planejamen­to e execução competente de projetos de saneamento, estas doenças seriam evitadas com mais chances de sucesso.

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