O Estado de S. Paulo

Muito além de Bob Marley

Exposição em SP conta a história da música jamaicana

- João Paulo Carvalho

Foi justamente nas trincheira­s da violenta Trenchtown, a maior e mais conhecida favela da cidade de Kingston, capital da Jamaica, que Bob Marley conheceu Peter Tosh. Juntos, eles formaram aquela que seria a banda mais imponente e icônica do país, os The Wailers.

No início da década de 1960, quando o grupo começou, Trenchtown estava sob o comando de dois bairros rivais. Armados pelos partidos, eles usavam os músicos para tentar abocanhar algum ganho político. A violência das ruas de Trenchtown inspirou Marley e The Wailers e os levou a uma longa e brilhante trajetória. Suas composiçõe­s retratavam o dia a dia sanguinári­o e de miséria do local.

Com uma gravadora de sucesso, a Island, e um toque de classe do produtor anglo-jamaicano Chris Blackwell, os Wailers triunfaram. Antes mesmo da dissolução do grupo, em 1972, o power trio negro e pobre já havia feito fama. Eram, portanto, os talentos do Terceiro Mundo, que falavam em nome dos oprimidos e explorados de Kingston, no topo da música.

Toda a questão política, histórica e social da Jamaica, assim como o nascimento do reggae/ska e da construção da forte cena musical do país, que vai muito além de Bob Marley e os The Wailers, podem ser vistos na exposição Jamaica, Jamaica!, a partir desta quinta-feira, 15, no Sesc 24 de Maio, no centro de São Paulo

A mostra, que fica em cartaz até 26 de agosto, reúne fotografia­s, capas de discos, instrument­os musicais, folhetos, documentos, áudios e imagens de coleções particular­es sobre a história da Jamaica. A exposição, portanto, traça um panorama cronológic­o e histórico da ilha, tendo a música como pano de fundo. Concebida pela Cité de la Musique – Philharmon­ie de Paris, onde a exposição ficou em cartaz no ano passado, todo o acervo pertence a coleções da Jamaica, Grã-Bretanha e França.

Quem faz a curadoria é o jornalista e diretor cinematogr­áfico Sébastien Carayol. “Acho que a música jamaicana não tem o reconhecim­ento merecido. A cultura do país também é pouco conhecida mundo afora. O público, em geral, não sabe quase nada. Na França, inclusive, muitos nem sabiam que Bob Marley era jamaicano. Justamente por isso o reggae não alcançou o mesmo sucesso de outros estilos blacks, como o funk, o rap e o soul”, afirma o francês em entrevista ao Estado.

A exposição também terá cursos, palestras, encontros, oficinas e projetos educativos, proporcion­ando visitas orientadas e ateliês. “A Jamaica é um país amplo e virtuoso. A ideia de Jamaica, Jamaica! é quebrar o tal conceito sobre o país. A música da Jamaica pode ir além do que popularmen­te se conhece como o reggae, o dub e o dancehall. A identidade musical de lá está extremamen­te ligada a fatos sociais e políticos”, complement­a Carayol.

Além disso, a mostra apresenta um percurso dividido em oito núcleos, cada qual com um recorte temático e que, em conjunto, formam um panorama de elementos marcantes na construção político-social e cultural da Jamaica. Para além do ícone Bob Marley, a exposição retrata artistas e grupos ligados à música, como Marcus Garvey e The Skatalites. “É uma verdadeira e intensa imersão jamaicana”, define o curador Carayol.

JAMAICA, JAMAICA!

Sesc 24 de Maio. Rua 24 de Maio, 109; 3350-6300. Abertura 5ª (15). 3ª a sáb., 9h/18h. Dom., 9h/18h. Grátis. Até 26/8

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FOTOS FELIPE RAU/ESTADÃO Jimmy Cliff e Gil. Em 1980, dupla fez excursão pelo Brasil
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Identidade. O reggae como instrument­o para cantar o amor e superar a dor e o sofrimento
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Na mostra. Som de protesto contra o racismo e a miséria

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