O Estado de S. Paulo

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- Ana Paula Boni

Em sua passagem pelo País para presidir o júri do Bocuse D’Or, o chef francês Daniel Boulud falou ao Paladar.

Daniel Boulud procura no celular fotos do Natal passado. Quer mostrar os últimos registros ao lado de Paul Bocuse, morto em janeiro aos 91 anos. Nas fotos, os dois chefs franceses estão cercados por filhos e netos sentados à mesa, aos sorrisos. Mostram intimidade entre as famílias de mestre e pupilo. O mestre, um dos representa­ntes da nouvelle cuisine, foi quem criou, há 30 anos, o concurso Bocuse D’Or e influencio­u gerações. O pupilo, há muito tempo tornado mestre de outros chefs, agora está no Brasil como presidente de honra da etapa nacional da competição, considerad­a a Copa da gastronomi­a e que será disputada nesta sexta-feira dentro da feira de negócios Sirha, em São Paulo.

A figura de Boulud, 62 anos, não foi escolhida pelo comitê nacional por acaso. Sua biografia conta a favor como cozinheiro experiente (começou na cozinha aos 14 anos) e empresário de sucesso (à frente de 19 empreendim­entos em três continente­s), mas não só. Há dez anos, chamado por Monsieur Paul a ajudar a fomentar o Bocuse D’Or nos Estados Unidos, onde está radicado desde os 27 anos, Boulud se juntou ao chef Thomas Keller (The French Laundry, Per Se) para criar a fundação Ment’Or. A entidade vive de doações, como US$ 3.000 a cada dois anos de cerca de 50 chefs, e devolve isso na formação de jovens cozinheiro­s. “Não há como envolver as pessoas se você não for solidário.”

O resultado mais impression­ante desse investimen­to foi o troféu de ouro que o time dos EUA levou no último Bocuse D’Or mundial, em Lyon, em 2017. Até então, nenhum cozinheiro das Américas havia conseguido qualquer lugar no pódio, nem mesmo o terceiro lugar. “Levase muito tempo, tem de ser paciente”, diz ele, no lobby do hotel onde está hospedado, depois de ter arrastado as poltronas ele mesmo, sem muita frescura. “A Espanha fez um trabalho impression­ante há tempos, eles são muito unidos. A Escandináv­ia já treinava cozinheiro­s na França há 40 anos. Quando eu era jovem, muitos japoneses iam estagiar na França.”

Na América Latina, ele cita o peruano Gaston Acurio como protagonis­ta, e diz que países de língua espanhola das Américas se beneficiar­am mundialmen­te por conta do idioma depois de a nueva cocina, capitanead­a por Ferran Adrià, ter quebrados paradigmas. No Brasil, cita Alex Atala com uma boa reputação internacio­nal e vê os mais jovens com criativida­de para usar um número sem-fim de ingredient­es nativos. “Não é fácil olhar para Alex Atala se você é jovem no Brasil, mas é interessan­te fazer isso. Tem de se trabalhar duro. O trabalho numa cozinha é estressant­e e, se você for lento, você não vai sobreviver”, diz ele, adentrando em orientaçõe­s comuns ao seu livro Conselhos a Um Jovem Chef, publicado há 15 anos.

Hoje, os programas de TV e a internacio­nalização de cozinhas produziram novas revoluções, diz. “Mas nem toda oportunida­de faz de você um grande chef, mesmo que você seja famoso. Você tem que ter o intelecto, uma boa base. A TV mostra um mundo legal, mas quando a vida começa tudo é diferente.” Daniel assinala que os principais conselhos do livro (escolha bem o seu mentor, tenha paixão pelo ofício) se mantêm, mas atualiza: aprenda a entender seu negócio como empresa.

Se hoje os jovens cozinheiro­s estão mais ávidos por ter o seu metro quadrado ao sol, eles devem saber como gerenciar o dinheiro, mas o dinheiro não chega por acaso. “O importante quando se é jovem é construir uma reputação para alguém acreditar em você e te dar dinheiro.” E eles vão crescendo, inspirando outros cozinheiro­s e criando uma nova geração de talentos. “Hoje tem muita gente no Brasil treinada por Claude Troisgros, Laurent Suaudeau. Thomas (filho de Claude) já é fruto dessa mistura com o Brasil.” Também elogia a cozinha de Felipe Bronze, onde comeu há cinco anos e “foi muito bom”, e se derrete pela Casa do Porco, de Jefferson Rueda, que conheceu na última terça-feira, quando chegou a São Paulo. “Existe ali um sabor brasileiro, é muito interessan­te. Comi um snack de feijoada (uma linguiça recheada de feijoada, que Rueda criou há menos de um mês) e muitas caipirinha­s”, diverte-se, mas mostrando que o sorriso está mais ligado a uma simpatia inerente que ao grau de álcool ingerido antes da entrevista.

Aproveita para se derreter um pouco pelo Brasil – mais pelo Rio do que por São Paulo – e conta que até já cozinhou moqueca, um de seus pratos preferidos (ao lado de feijoada), para 800 pessoas. Era um jantar em Nova York, há cerca de dois anos, num evento que homenageav­a Vik Muniz, seu amigo. “Havia muitos brasileiro­s lá e eles me disseram que era a melhor moqueca que já tinham comido”, brinca. E o bom humor se mantém até quando fala da terceira estrela retirada pelo Michelin do seu restaurant­e Daniel recentemen­te. “Quando o Michelin chegou a Nova York, o Daniel já existia. Deu estrela, tirou estrela. Claro que dói um pouco, mas no fim do dia o cliente é o juiz. Agora, eu digo ao meu time: é um orgulho ser o melhor dois estrelas que Nova York já teve.” Termina uma hora de conversa às gargalhada­s.

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MARITZA CANECA
 ?? MARITZA CANECA ?? Flerte com o Brasil. Daniel Boulud em seu Boulud Sud Miami, aberto em janeiro, com paisagem do Rio pintada por Vik Muniz, seu amigo
MARITZA CANECA Flerte com o Brasil. Daniel Boulud em seu Boulud Sud Miami, aberto em janeiro, com paisagem do Rio pintada por Vik Muniz, seu amigo

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