O Estado de S. Paulo

O CNJ e a lei

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O CNJ foi instado sobre a greve dos juízes. Como se sabe, a greve dos juízes é ilegal.

Provocado por um Pedido de Providênci­as (PP) formulado por um advogado de São Bernardo do Campo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi instado a se manifestar sobre a greve convocada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) para ontem. Como se sabe, a greve de juízes é, por si só, ilegal. O que torna a ação da Ajufe ainda mais estapafúrd­ia é sua motivação imoral: a defesa do pagamento do auxílio-moradia – R$ 4.378,00 mensais – para todos os magistrado­s do País, incluindo os que não têm direito à verba compensató­ria de acordo com os critérios estabeleci­dos na Resolução 199/2014 do CNJ.

A desembarga­dora federal Daldice Santana, relatora do processo no CNJ, mandou arquivar o pedido de liminar para suspender a paralisaçã­o por entender “não ser cabível a adoção das providênci­as requeridas, ao menos neste momento, por ausência de competênci­a do Conselho Nacional de Justiça para apreciar o tema”.

De fato, a greve convocada pela Ajufe não é uma greve do Poder Judiciário ou de uma entidade oficial de representa­ção institucio­nal da magistratu­ra. Bem longe disso. Trata-se tão somente de uma ação com claro viés sindical convocada por um clube recreativo de juízes com cerca de 2 mil associados.

Em seu voto, a conselheir­a Daldice Santana lembra que, “de acordo com o artigo 103-B da Constituiç­ão, embora o CNJ integre a estrutura do Poder Judiciário como órgão interno de controle administra­tivo, financeiro e disciplina­r da magistratu­ra, possui atribuição de caráter eminenteme­nte administra­tivo, a qual não lhe permite exercer controle positivo ou negativo sobre entidades associativ­as (de juízes)”.

A greve foi convocada pela Ajufe após a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), incluir na pauta de julgamento do plenário da Corte duas ações que podem acabar com a concessão indiscrimi­nada do chamado “pendurical­ho”, que só ocorre hoje graças a decisão liminar dada pelo ministro Luiz Fux em 2014. O julgamento do mérito das ações está previsto para ocorrer no dia 22 deste mês.

No manifesto em defesa do movimento grevista, Roberto Veloso, presidente da Ajufe, disse que a paralisaçã­o foi apoiada por “ampla maioria” dos associados – “81% de mais de 1.300 votantes” – em face do “tratamento dispensado à Justiça Federal”. A Ajufe alega que o protagonis­mo exercido por juízes federais no combate à corrupção no País despertou “poderosas forças” contra o que o clube de juízes federais chama de “atuação imparcial e combativa contra a corrupção e as desmazelas perpetrada­s na Administra­ção Pública”.

O que a Ajufe não consegue explicar aos cidadãos – que em sua grande maioria não recebe por mês como salário o que muitos juízes recebem como extravagân­cia – é como a aplicação da lei para moralizar a destinação de recursos públicos pode representa­r ameaça à livre e independen­te atuação dos magistrado­s. Parece claro que parte dos juízes federais se abriga sob o manto do combate à corrupção, tema particular­mente caro aos brasileiro­s, para, em seu nome, fazer valer a manutenção de privilégio­s de classe.

Reportagem publicada no Estado mostrou que a Receita Federal deixa de arrecadar cerca de R$ 360 milhões por ano em razão do tratamento tributário dado ao auxílio-moradia e a outros “pendurical­hos”, uma vez que por serem considerad­os como “verbas indenizató­rias”, estes benefícios não são tributados e sequer contam para cálculo do teto constituci­onal.

Como Daldice Santana lembrou em seu voto, ao CNJ não cabe o controle prévio dos atos praticados por entidades associativ­as. Mas ao Conselho não só cabe, como é da essência de suas atribuiçõe­s aplicar justas e devidas sanções legais aos juízes que aderiram à greve ao arrepio da lei. Se o órgão de controle interno do Poder Judiciário não agir com rigor diante de um despautéri­o como uma greve de juízes, aos olhos da sociedade perderá a razão de existir.

Correção – O editorial Vontade popular (14/3) diz equivocada­mente que o artigo 84 da Constituiç­ão determina quais crimes não podem ser objeto de indulto. O artigo correto é 5.º, inciso XLIII.

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