O Estado de S. Paulo

João Domingos

- JOÃO DOMINGOS E-MAIL: JOAODOMING­OS56@GMAIL.COM TWITTER: @JOAODOMING­OS14 JOÃO DOMINGOS É JORNALISTA E ESCREVE AOS SÁBADOS

Não dá para querer comparar o assassinat­o de Marielle Franco com a pena imposta a Lula.

Aresolução da Executiva Nacional do PT que compara o assassinat­o da vereadora Marielle Franco (PSOL) ao processo penal que resultou na condenação de Lula a 12 anos e 1 mês de prisão é de um oportunism­o político sem tamanho. De acordo com a resolução petista, tanto a execução de Marielle quanto a condenação de Lula são consequênc­ias de uma escalada de autoritari­smo no País.

Nesse clima, afirma o PT no documento da direção nacional, “os movimentos sociais são reprimidos, professore­s são espancados, a universida­de é atacada, artistas são censurados, setores politizado­s do Judiciário atuam casuistica­mente e o governo golpista apela, de forma demagógica e irresponsá­vel, para a militariza­ção de esferas de competênci­a do poder civil”.

Tudo o que está escrito entre aspas no parágrafo acima faz parte de uma argumentaç­ão política a partir de uma visão ideológica das coisas. Portanto, o PT tem todo o direito de dizer isso. Pode chamar Michel Temer de traidor, golpista e outras coisas, mesmo que o hoje presidente tenha sido fundamenta­l para a vitória de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. O PT pode até fazer discursos para lembrar que Geddel Vieira Lima está na cadeia. E ao mesmo tempo omitir que Geddel, ao qual se atribui a posse de R$ 51 milhões em dinheiro, encontrado­s em um apartament­o, em Salvador, foi ministro da Integração Nacional de Lula. É tudo parte da disputa política.

Comparar o assassinat­o da vereadora Marielle ao processo penal que condenou Lula por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, no entanto, supera a argumentaç­ão lógica da política. A morte da vereadora, uma militante dos direitos humanos, negros, homossexua­is, lésbicas e outras minorias que vivem o processo de discrimina­ção, é um ato de violência extrema, inaceitáve­l numa sociedade democrátic­a. Mas, infelizmen­te, um pedaço da tragédia brasileira, em que mulheres negras, como Marielle, são as que mais morrem no País. E morrem meninas, jovens e adultas, anônimas, estatístic­as apenas.

A condenação de Lula veio depois de um processo judicial que apura lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Para se defender, o ex-presidente contratou os melhores advogados, produziu as melhores peças jurídicas com as mais afamadas teses, ocupou as redes sociais, atacou Judiciário, Ministério Público, meios de comunicaçã­o e tudo o mais que viu pela frente.

Ao contrário de Lula, a vereadora não teve nenhuma oportunida­de de defesa. Foi fuzilada. Se Lula tem um batalhão de advogados a defendê-lo, Marielle tinha apenas a voz. E tudo leva a crer que foi exatamente pela voz que levantou a favor das causas que defendia que ela foi assassinad­a.

Por isso, quando o PT tenta se apossar politicame­nte de um assassinat­o, cede ao mais puro oportunism­o partidário.

Quando a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), disse em janeiro ao portal Poder 360 que “para prender o Lula vai ter que matar muita gente”, talvez no seu inconscien­te ela pensasse que um cadáver a ser exposto por uma causa poderia causar um impacto benéfico ao partido. Ele não veio. Com todo o aparato de que dispõe nos movimentos sociais, o PT conseguiu levar a Porto Alegre, para o julgamento de Lula, cerca de 70 mil militantes, número fornecido pelos organizado­res. E eles costumam exagerar. Não houve nenhum confronto. Quando o julgamento terminou, e não só confirmou a condenação do ex-presidente, mas também aumentou sua pena, os militantes recolheram suas faixas e cartazes e foram embora.

Agora, quando é assassinad­a uma vereadora do PSOL, partido que nasceu de uma dissidênci­a expulsa do PT pelo ex-ministro José Dirceu, compara-se a violência cometida contra ela com a condenação de Lula. Não dá.

Não dá para querer comparar o assassinat­o de Marielle Franco com a pena imposta a Lula

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