O Estado de S. Paulo

‘Maduro tem usado oferta de diálogo para se aferrar ao poder na Venezuela’

Presidente colombiano, que deixará cargo em agosto após 8 anos, discutirá em Brasília migração venezuelan­a

- Fernanda Simas

O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, deixará o poder em agosto, após dois mandatos de 4 anos. Seu principal legado é a negociação que levou ao fim das Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc), razão pela qual ele ganhou o Nobel da Paz. Em contrapart­ida, é provável que Santos tenha de ampliar as explicaçõe­s à Justiça sobre o papel da Odebrecht no financiame­nto de sua última campanha. Acusado de ter recebido US$ 1 milhão na votação de 2014, ele alega inocência.

O principal inimigo político de Santos é o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), de quem foi um ministro da Defesa linha-dura. Na eleição legislativ­a de domingo, o grupo de Uribe saiu vencedor e tornouse a principal força política do Congresso com a promessa de rever o acordo com a guerrilha.

Uribe apoia Iván Duque nas eleições marcadas para 27 de maio e 17 de junho. O principal adversário é Gustavo Petro, um candidato de esquerda com popularida­de inusual em um país em que a desaprovaç­ão à guerrilha historicam­ente afundou as pretensões de candidatos não conservado­res. O vencedor terá como um dos principais desafios o ingresso de milhares de refugiados venezuelan­os. Santos, que tratará do tema em Brasília na terça-feira com o presidente Michel Temer, respondeu as seguintes perguntas por email:

Como o sr. vê o processo eleitoral colombiano, polarizado entre direita e esquerda?

A polarizaçã­o é negativa em todas as sociedades, pois as paralisa e impede que avancem em torno de consensos mínimos. Fiz todo o possível, sem êxito, para evitar essa polarizaçã­o daninha. Defendo uma terceira via, de centro: tanto mercado quanto possível e tanto Estado quanto necessário. Defendo a disciplina no campo fiscal e a audácia no terreno social. Considero os extremos negativos e espero que a Colômbia continue construind­o sobre o já construído.

Como Colômbia e Brasil podem atuar juntos na crise dos refugiados venezuelan­os?

A crise humana que a Venezuela vive é dolorosa para todos. Resulta diretament­e das decisões equivocada­s do presidente Nicolás Maduro. Brasil e Colômbia, com os demais países da região e do mundo, devem continuar trabalhand­o para encontrar uma saída pacífica e tomara que imediata para essa crise.

Qual é o principal desafio que a Colômbia enfrenta com a chegada de tantos venezuelan­os? Estamos enfrentand­o uma situação sem precedente­s com a chegada de centenas de milhares de migrantes venezuelan­os. Nós os acolhemos com generosida­de. Mas temos de fazer isso de maneira controlada e segura. Estamos abertos ao apoio da comunidade internacio­nal. O problema é sério e tende a se agravar.

É possível o diálogo com Nicolás Maduro?

Não se deve nunca rejeitar a possibilid­ade de diálogo, mas na atual conjuntura não vejo muitas opções. Maduro tem utilizado a oferta de diálogo para se aferrar ao poder.

Como o sr. avalia a acusação de que o Exército de Libertação Nacional (ELN) tem elo com Caracas? Sabemos há muito tempo que alguns líderes da guerrilha ELN estão em território venezuelan­o.

É possível garantir que não haja ingerência de autoridade­s venezuelan­as no comando do ELN? É impossível garantir isso.

Como estão as negociaçõe­s com o ELN?

Autorizei a equipe negociador­a do governo a viajar a Quito para reiniciar o diálogo. Nossa disposição em buscar uma solução negociada que permita pôr fim ao conflito com o ELN continua firme. Tratase, antes de tudo, de salvar vidas.

Quanto à cooperação do Brasil no processo de paz na Colômbia, como o País pode ajudar agora, depois da assinatura do acordo?

O Brasil vem nos apoiando desde o início da busca de paz e estou imensament­e grato aos brasileiro­s e a seu governo por isso. Agora que, com o fim do conflito, estamos no processo de reconstruç­ão da paz, a colaboraçã­o do Brasil no desenvolvi­mento do setor agrícola, investindo e criando oportunida­des, é muito valiosa.

Sua visita pode impulsiona­r novos acordos econômicos? Nossa relação econômica e comercial é boa, mas sempre existe espaço para melhorar, aprofundar e ampliar intercâmbi­os. Esperamos que, com a atualizaçã­o de nossos acordos de complement­ação econômica, o intercâmbi­o comercial supere US$ 4 bilhões neste ano. Continuare­mos trabalhand­o para ampliar ainda mais esses acordos. Agora que superamos o conflito, há enormes oportunida­des para se investir na Colômbia. Convido os empresário­s brasileiro­s a continuare­m vindo a nosso país. Há setores, como o turismo e a tecnologia, em que certamente podemos fazer mais.

Qual é hoje o maior desafio para a relação Brasil-Colômbia? Os dois países atravessam um momento excelente em suas relações bilaterais. Mais que desafios, o que vejo são oportunida­des para continuarm­os trabalhand­o juntos em pontos de interesse comum como meio ambiente, proteção da Amazônia, comércio e intercâmbi­o cultural. Sem dizer que uma seleção de futebol com Brasil e Colômbia seria imbatível.

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CHRIS WATTIE/REUTERS-30/10/2017 Adeus. Santos deixará o cargo em agosto

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