O Estado de S. Paulo

Desemprego, inflação e reformas

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA DA OPUS INVESTIMEN­TOS

Pela primeira vez na história recente, o Brasil terá, pelo segundo ano consecutiv­o, taxas de inflação e juros reais compatívei­s com os padrões internacio­nais (entre 2% e 4% ao ano), sem usar de artificial­ismos, como controles de preços e da taxa de câmbio. Isto apesar de ter um déficit fiscal e uma relação dívida/PIB bastante elevados.

A queda da taxa de inflação é generaliza­da, mas particular­mente importante na inflação de serviços. No curto prazo, a taxa de inflação de serviços é determinad­a por duas relações: a relação entre taxa de juros real e desemprego e entre desemprego e inflação de serviços. Quanto maior a taxa de juros real, mais caro o acesso ao crédito, menor a demanda por bens e serviços, menor a produção e maior a taxa de desemprego. Por outro lado, quanto maior a taxa de desemprego, menos renda é gerada na economia, menos demanda por bens e serviços, menor a capacidade das empresas de aumentar seus preços e menor a taxa de inflação.

Devido à maior credibilid­ade do Banco Central do Brasil (BCB) e às reformas implementa­das, desde meados de 2016 a relação entre desemprego e inflação de serviços está se deslocando sistematic­amente para a esquerda. Nossas estimativa­s sugerem que a maior credibilid­ade do BCB reduziu em 3 pontos de porcentage­m a taxa de desemprego necessária para chegar à mesma taxa de inflação.

A liberaliza­ção da terceiriza­ção permite que as empresas concentrem sua produção em atividades nas quais são mais produtivas, contratand­o outras empresas para desenvolve­r as atividades em que são menos produtivas. Isto reduz os custos de produção, em geral, e os custos do trabalho, em particular.

A reforma trabalhist­a mudou dois pontos fundamenta­is das relações entre empresas e trabalhado­res. Primeiro, a determinaç­ão de que a parte derrotada na disputa trabalhist­a arque com os custos advocatíci­os da parte vencedora provocou forte redução das demandas judiciais e, portanto, do custo do trabalho.

Por outro lado, antes da reforma, quando ocorria uma queda do nível de atividade que exigia das empresas a redução do salário nominal do trabalhado­r, a única opção era demiti-lo e, se necessário, contratar outro pagando salário menor. A única variável de ajuste era o desemprego. A partir da reforma, as empresas podem, por meio dos contratos intermiten­tes e bancos de horas negociados individual­mente, reduzir a jornada de trabalho, renegociar o contrato, diminuir o salário e, no limite, demitir o trabalhado­r. A reforma flexibiliz­ou o salário e criou caminhos de ajuste que não o desemprego.

Segundo nossas estimativa­s, no início de 2016, a taxa de desemprego necessária para atingir uma inflação de serviços de 4,5% estava próxima a 17,0% da força de trabalho. Em meados de 2017 havia caído para 13% da força de trabalho. Em janeiro de 2018 caminhava para 10,5% da força de trabalho. Esta é a razão pela qual desemprego e inflação de serviços estão caindo simultanea­mente. E o efeito das reformas está apenas no começo. Afinal, elas foram aprovadas

Se nossas estimativa­s estão corretas, há ainda algum espaço para a queda dos juros

há menos de um ano. Nossa conjectura é que esses deslocamen­tos deverão se intensific­ar nos próximos meses.

O Banco Central está perseguind­o um alvo móvel: a taxa de juros real que gera a taxa de desemprego que levará a taxa de inflação para a meta. Como esta taxa de desemprego está caindo, a taxa de juros real também está em queda. Neste contexto, as questões relevantes para a definição da política monetária são: no curto prazo, para onde vai a relação entre inflação de serviços e desemprego? Se nossas estimativa­s estão corretas, há ainda algum espaço para a queda dos juros. A questão é a sustentabi­lidade desta queda no médio prazo. Dado o elevado nível do déficit público e da relação dívida/PIB, a pergunta é: qual a menor taxa de juros aceita pelos investidor­es para financiar a dívida pública? A resposta só a reforma da Previdênci­a conseguirá dar.

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