O Estado de S. Paulo

No vácuo das sanções

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Três certezas cercam a eleição na Rússia. O presidente Vladimir Putin, no poder desde 2000, ganhará mais seis anos de mandato. A comunidade internacio­nal continuará adotando sanções contra o país. Isso abrirá ainda mais espaço para a cooperação e o comércio entre Brasil e Rússia.

O governo britânico expulsou, na quarta-feira, 23 diplomatas russos e anunciou que poderá congelar ativos do país usados para “atacar o Reino Unido”. Foi uma retaliação ao envenename­nto do ex-agente duplo Serguei Skripal e sua filha, na cidade de Salisbury. Apesar da saída britânica, prevista para daqui a um ano, a União Europeia, assim como a Alemanha e outros países, solidarizo­u-se com o Reino Unido.

No dia seguinte, o secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, anunciou o bloqueio do acesso de 19 russos ao sistema financeiro dos EUA, por interferên­cia na eleição de 2016. Ele citou também o ciberataqu­e contra a Ucrânia e outros países, em 2017.

As sanções adotadas contra a Rússia, em 2014, por seu apoio aos separatist­as na Ucrânia e pela anexação da Crimeia foram dirigidas a autoridade­s, empresário­s e à indústria bélica. Em retaliação, a Rússia suspendeu a importação de alimentos de EUA, Canadá, UE, Noruega e Austrália.

Neste momento, as exportaçõe­s do Brasil para a Rússia estão prejudicad­as pela suspensão da compra de carne bovina e suína. Os russos afirmam ter encontrado o hormônio de cresciment­o ractopamin­a em ambas as carnes brasileira­s. Seu uso é proibido na carne bovina. A Rússia, mais rigorosa, também não o aceita na carne suína. O Brasil segrega seus suínos para atender o mercado russo. Às vezes, ocorrem falhas.

O Brasil é o maior fornecedor de ambas as carnes para a Rússia. O comércio bilateral voltou a crescer, depois das crises de 2015 e 2016: recessão no Brasil e queda do preço do petróleo russo. As exportaçõe­s brasileira­s aumentaram 19% e as importaçõe­s, 31%. O superávit brasileiro caiu de US$ 279 milhões para US$ 92 milhões.

Além de carne, o Brasil vende compressor­es, calçados e aviões para a Rússia. Importa fertilizan­tes, gás, petróleo e helicópter­os militares. A Rússia pressiona o Brasil a comprar seu trigo e pescados. As maiores empresas russas têm escritório no Brasil. A estatal Rosneft prospecta gás na Bacia do Solimões. O país tem interesse em fornecer trilhos, trens e corvetas ao Brasil.

Quatro estações de georrefere­nciamento da empresa russa Glonass operam no Brasil, assim como um observatór­io de detritos espaciais. São oportunida­des para cientistas brasileiro­s aprenderem com os russos. Paradoxalm­ente, um acordo de cooperação firmado em março de 2015 não teve resultados concretos ainda em razão da demora do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil em estabelece­r um diálogo regular com os russos.

O impeachmen­t de Dilma Rousseff, que se alinhava ideologica­mente com Putin, causou ruído nas relações. Quando o embaixador Antonio Luís Espínola Salgado apresentou sua credencial, em 2016, o vicechance­ler Serguei Ryabkov pediu esclarecim­entos sobre a troca de governo. O embaixador explicou que fora feita de acordo com a Constituiç­ão, e não voltaram ao assunto.

Michel Temer já era conhecido. Quando vice, chefiava as delegações que se reuniam periodicam­ente, tendo como contrapart­e o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev. Em sua visita em junho, foi recebido com banquete de oito pratos, réplicas de cartas do imperador Pedro II ao czar Nicolau II e a companhia de Putin para assistir ao Balé Bolshoi – sinais de apreço. Com o crescente isolamento russo, o Brasil pode estreitar as relações com a Rússia. Não para abandonar sua tradiciona­l neutralida­de, mas para se aproveitar dela.

Brasil pode aproveitar sua tradiciona­l neutralida­de para estreitar os laços com a Rússia

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