O Estado de S. Paulo

Ocupação pode ter piorado crise hídrica em Brasília

Cidade recebe Fórum Mundial da Água em meio a racionamen­to; entorno de reservatór­io teve aumento de 336% na urbanizaçã­o

- Giovana Girardi André Borges / BRASÍLIA

Mergulhada em um racionamen­to de água que não tem data para acabar, Brasília recebe a partir de hoje o 8.º Fórum Mundial da Água. O desafio será discutir um problema que atinge não somente a capital, mas vem assombrand­o o País nos últimos anos e é cada vez mais comum em vários cantos do mundo.

Enquanto cerca de 10 mil congressis­tas de 170 países debatem o tema “compartilh­ando água”, o País tem em grande parte do seu território – no Semiárido do Nordeste, há sete anos, e no Centro-Oeste, há três – um quadro de crise hídrica.

Paulo Salles, diretor-presidente da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico (Adasa) do Distrito Federal, autarquia ligada ao governo distrital, diz não haver risco de faltar água no evento e que o racionamen­to, em vigor há mais de um ano, é “oportunida­de” para discutir o problema.

“A crise hídrica é mundial, não é um problema local. Todos enfrentam dificuldad­es. As variações atreladas ao clima estão se concretiza­ndo”, afirma.

Ele admite, porém, que obras previstas que podiam ter evitado o racionamen­to não foram realizadas. “O racionamen­to ocorre porque não executaram o que estava no papel. Além da falta de investimen­to, houve paralisia por órgãos de controle. Temos problemas de gestão.”

Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) sugere que a escassez de água na capital federal vai além da falta de chuva ou da conclusão de obras de novos reservatór­ios.

O trabalho analisou a evolução, desde 2000, do reservatór­io do Descoberto, o principal da região, que atende 2/3 da população de Brasília – 2 milhões de pessoas. Com imagens de satélite, o trabalho constatou redução de 37% da área de espelho d’água do reservatór­io no

Sem controle “Sempre se viu a questão da água como um problema de engenharia. Deixou-se a cidade crescer desordenad­a.” André Lima EX-SECRETÁRIO DE MEIO AMBIENTE

período de 2016/2017 na comparação com 2013/2014, início da crise. A análise considerou o chamado ano hidrológic­o, que vai de outubro de um ano (início da temporada de chuvas) a setembro seguinte (fim da seca).

De 2000 a 2014, mesmo em momentos de menos chuva, a área do espelho nunca ficou abaixo dos 1,1 mil hectares. A partir de então, com uma redução mais intensa das chuvas, a área começou a diminuir, batendo um recorde atrás do outro, até chegar a 773,2 hectares no último ano hidrológic­o, de outubro de 2016 a setembro de 2017. O volume de chuva no período foi o menor desde 2000.

Mas os pesquisado­res do Ipam observaram outra mudança – a redução da cobertura vegetal na Área de Proteção Ambiental (APA) no entorno do Descoberto. A cidade cresceu na região. Houve um aumento de 336% de infraestru­tura urbana de 2000 a 2016.

Fatores. “É um efeito sinérgico entre o avanço da especulaçã­o imobiliári­a na região da APA e a consecutiv­a falta (de chuva). De fato tivemos períodos de seca expandidos, mas já tinham ocorrido outros momentos de pouca chuva no passado e nem assim o reservatór­io ficou tão baixo”, comenta a pesquisado­ra Ane Alencar.

Para ela, a combinação da mudança do uso do solo com ondas de calor e de seca pode ter criado um ponto de não retorno. “Tem chovido recentemen­te e o reservatór­io está se recuperand­o (chegou a 66,6% na sextafeira), mas não quer dizer que o problema acabou”, diz.

Para André Lima, ex-secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, houve ao longo do tempo um descaso e é necessária uma ação de longo prazo para recuperar o reservatór­io e mantêlo como um produtor de água.

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SECA NA CAPITAL

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