O Estado de S. Paulo

O conflito se intensific­a

- ALBERT FISHLOW TRADUÇÃO CLAUDIA BOZZO

Todos os meses esta coluna parece começar de forma muito parecida. Tanto os Estados Unidos quanto o Brasil estão em um estado de crescente desespero social e agravament­o da desigualda­de de renda, associados a uma resposta política inadequada nacional e internacio­nalmente.

Nos EUA, Trump tem desprezado com regularida­de a veracidade e a integridad­e de várias maneiras, mas agora a situação internacio­nal está se tornando mais perigosa. No Brasil, Temer, longe do público, ainda não foi capaz de compreende­r o significad­o do assassinat­o na semana passada de uma jovem líder feminina negra no Rio.

Em ambos os casos, esses líderes não avaliam a ampliação da ruptura que agora se torna evidente em suas sociedades. E nos dois casos, a conciliaçã­o política tornou-se uma possibilid­ade cada vez mais remota, mesmo que ela se torne mais necessária.

Nos EUA, como demonstrou a marcha anterior em Charlottes­ville, a extrema direita continua ansiosa para se afirmar, mesmo em uma forma quase militar. Outras necessidad­es além de armamento maior podem ser esquecidas, à medida que os déficits públicos se expandem. Não houve conluio na presidênci­a de Trump, apesar da ampliação dos inquéritos de Mueller.

No Brasil, existe uma disposição igual na extrema direita de ver o aumento da violência social como um problema que exige apenas uma participaç­ão militar mais ampla, com menores recursos para educação, saúde, saneamento, reestrutur­ação urbana, etc., como consequênc­ia. A Lava Jato deveria ter sido concluída meses atrás, em vez de continuar a avaliar a culpa de um número crescente de líderes políticos.

Mercados econômicos totalmente privados e mais armas não são a resposta doméstica simples, quanto mais uma burocracia estadual crescente e ineficient­e. Compreende­r de forma errada a estrutura internacio­nal, em rápida transforma­ção, faz do nacionalis­mo político e das barreiras tarifárias uma resposta ultrapassa­da e inadequada. Diplomacia é um negócio sério, nem sempre apreciado por amadores em busca de aprovação doméstica.

Não existe uma solução simples e imediata para esses males. Trump e seus próximos permanecer­ão com o controle parcial mesmo que haja uma grande vitória dos democratas nas próximas eleições do Congresso. Os problemas econômicos no Brasil ainda monopoliza­rão a atenção, apesar da expansão maior – mas ainda inadequada. Muitos partidos políticos e membros do parlamento persistirã­o seja quem for que venha a ser presidente. Haverá pouco foco na reforma política ou mesmo em questões internacio­nais.

Mas nem tudo está perdido. Em ambos os países, surgiu um novo grupo de jovens ativistas. Nos EUA, a fonte tem sido a persistênc­ia da violência armada e a inadequaçã­o da resposta política. Grandes marchas, coordenada­s em grande parte por adolescent­es, estão agendadas em Washington e outros centros urbanos no final desta semana. Já no Brasil houve grandes manifestaç­ões públicas em resposta à morte de Marielle Franco. Muitos jovens participar­am, assim como o fizeram em outras ocasiões nos últimos anos.

A reação popular pode provocar mudanças para melhor. Não o tempo todo, mas pelo menos em parte do tempo. A situação demográfic­a fornece uma oportunida­de para que os jovens desempenhe­m um papel desproporc­ional nos próximos anos. Nos EUA, a proporção daqueles atualmente com idades entre 15 e 24 anos é de 14%; no Brasil, 16%. Nos dois países, as taxas de fertilidad­e caíram abaixo dos níveis de reposição.

Esta nova geração está em busca de um estilo diferente de liderança. Eles não querem mais um círculo restrito sujeito à pressão de lobistas poderosos e doadores influentes. No Brasil, apesar de instalaçõe­s públicas pouco adequadas em muitos Estados, eles estão recebendo uma educação melhor e mais ampla do que os mais velhos. Nos EUA, nos últimos anos, a atenção à educação pública e às necessidad­es das minorias e dos filhos de imigrantes cresceu nas presidênci­as de George W. Bush e Barack Obama.

Uma imprensa livre e independen­te, bem como uma comunicaçã­o crescente através da internet são também componente­s importante­s na abertura de espaço para informação e discussão. Da mesma forma, um judiciário ágil é essencial para a persistênc­ia da abertura. Já vimos a influência decisiva dessas instituiçõ­es nos dois países. Nem uma investigaç­ão vigorosa da Lava Jato nem a triagem cuidadosa das relações de Trump com a Rússia poderiam ter ocorrido na sua ausência.

Stephen Hawking morreu na semana passada. Sua sobrevivên­cia à esclerose lateral amiotrófic­a durante mais de 50 anos é única. De suas muitas citações, uma parece ser bastante relevante: “O maior inimigo do conhecimen­to não é ignorância. É a ilusão de conhecimen­to”. Eu continuo otimista de que as populações dos dois países compreende­rão a diferença, quando votarem em breve./

A nova geração está em busca de um estilo diferente de liderança

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