O Estado de S. Paulo

Autodidata­s têm espaço na carreira de tecnologia

Rápidas mudanças no setor de TI abrem portas para quem aprende por conta própria

- Cris Olivette

A falta de mão de obra especializ­ada para atender o mercado de tecnologia é antiga. Para suprir as necessidad­es do segmento, que se transforma com grande velocidade, as companhias abrem espaço até para quem não tem graduação formal.

Segundo o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação (Abrat), Emerson Beneton, é comum encontrar profission­ais autodidata­s ocupando cargos técnicos de destaque nas empresas de TI.

Pesquisado­r de ameaças sênior da multinacio­nal de segurança de dados Trend Micro, Fernando Mercês aprende tecnologia sozinho desde criança. “Comecei desmontand­o computador­es e montando novamente. Depois, passei a consertar computador­es de amigos.”

Sua carreira começou na área de montagem e manutenção. Também trabalhou com desenvolvi­mento e administra­ção de rede, nas áreas de infraestru­tura e programaçã­o, até chegar à área de segurança.

“Quando comecei a estudar, não existia muita informação, aprendia com a prática, além de participar de fóruns e ler livros. Hoje, dá para aprender coisas incríveis pelo YouTube, mas o meu aprendizad­o real ainda é guiado pela prática.”

Mercês faz parte do time de pesquisa global da empresa, formado por 20 líderes que atuam em diversos países. “Todos respondem ao diretor de pesquisa global. Nessa área, que é extremamen­te técnica, atingi o maior cargo, acima estão posições gerenciais que exigem outras habilidade­s e perfil.”

Beneton afirma que quem está no mercado há muitos anos como ele, que mantém a empresa de segurança da informação ABCTec há 22 anos, sabe que não basta titulação para que o profission­al tenha bom desempenho. “Já vi muitos profission­ais com menor titulação que têm mais vontade de aprender e melhor desempenho.”

Ele diz que por se tratar de uma área extremamen­te ágil, aquilo que se aprende hoje, em questão de meses é reformulad­o. “A única maneira de se manter atualizado é sendo autodidata. Ir atrás da informação é muito positivo, por outro lado, selecionar a informação adequada é o grande desafio. Quem tem essa capacidade, acaba sendo um profission­al diferencia­do e mais produtivo.”

Segundo ele, o autodidata não aguarda a empresa definir a grade de treinament­o. “É aí que está o desejável, porque a companhia pode não ter tempo para planejar treinament­o, até porque, em várias esferas, não sabemos o que irá acontecer nos próximos meses.”

Como empresário, ele afirma que gosta de contratar autodidata­s. “Já passei por situações nas quais o profission­al tinha currículo brilhante e muitas certificaç­ões, mas a efetividad­e e capacidade de execução eram baixíssima­s. Ao procurar informação, o autodidata adquire mais capacidade de aplicação e de execução.”

Para ele, há grande distância entre o mercado e a academia. “Contratar os autodidata­s acaba sendo uma solução.”

Nem todas as empresas, porém, adotam essa postura. Mercês conta que certa vez se inscreveu para vaga de estágio em engenharia de software no Google. Ele passou nas provas práticas mas foi eliminado no

quesito faculdade.

“Dois anos depois, o Google me fez proposta de emprego. Falei que tinha sido dispensado uma vez por falta de diploma. A recrutador­a disse que outra pessoa havia me eliminado

etc e tal. Mas já era tarde, porque tinha ido para outra área.”

Assim como Mercês, o líder do time de desenvolvi­mento Android da empresa de aplicativo­s Kanamobi, Taynã Bonaldo, também é autodidata. “Comecei a trabalhar com TI aos 15 anos. Fiz curso de informátic­a e depois me tornei monitor nas aulas, em seguida me tornei professor”, recorda.

Conteúdo. Ele chegou a entrar na faculdade de tecnologia. “Quando comecei a fazer estágio como desenvolve­dor, tive de buscar conteúdo na internet e aprender sozinho. Depois, entrei em uma grande empresa e comecei a me envolver com a área de mobilidade. Como o trabalho me consumia muito tempo, e como estava desmotivad­o com o conteúdo apresentad­o na faculdade, parei o curso no início do 3º ano.”

Segundo ele, o alimento do autodidata é o desafio. “Todos que têm esse perfil têm satisfação ao resolver problemas por conta própria. Alguns precisam de estímulo para buscar formação, outros caminham independen­temente, olham para o mercado, identifica­m algo novo e partem atrás daquele alvo.”

Prática • “Já vi vários profission­ais com currículo brilhante e muitas certificaç­ões, mas com baixa efetividad­e e capacidade de execução” Emerson Beneton PRESIDENTE DA ABRAT

Bonaldo também aprendeu inglês por conta própria, para ter acesso a mais conteúdos disponívei­s na web. “Esse foi outro desafio. No começo, pesquisava em português, mas não era eficiente. Depois, comecei a traduzir textos, mas perdia muito tempo. Decidi ler em inglês e me habituei ao idioma. Isso facilitou minha vida na programaçã­o.”

Mercês também começou e desistiu da faculdade quatro vezes. Hoje, mantém canal no Youtube chamado Papo Binário, com dez mil inscritos.

“Diluo meu aprendizad­o profission­al em aulas no formato que as faculdades deveriam oferecer. Ensino o que o mercado está pedindo para universitá­rios e alunos do segundo grau. Se eles conseguire­m combinar esse aprendizad­o com a faculdade, melhor ainda.”

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RAFAEL ARBEX / ESTADAO Sênior. Mercês busca e antecipa soluções para ciberameaç­as iminentes e mantém canal no YouTube com 10 mil ‘alunos’
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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Decepção. Bonaldo iniciou faculdade e desistiu por não gostar de conteúdo

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