O Estado de S. Paulo

A VOLTA DO CLUBE DE LEITURA

- André Cáceres

Em meio à enxurrada que jorra diariament­e das prateleira­s físicas e virtuais – mais de 50 mil títulos lançados por ano, segundo pesquisa anual da Fipe para a Câmara Brasileira do Livro –, os leitores têm buscado novas maneiras de encontrar livros resgatando uma prática antiga: o serviços de assinatura mensal, nos moldes do Clube do Livro, criado pelo escritor e editor Mário Graciotti em 1943.

Um desses serviços é a TAG, que surgiu em 2014 e hoje abarca mais de 20 mil assinantes. “Levamos um tempo para conceber a ideia, se seria surpresa ou não, o que acompanhar­ia o pacote”, diz ao Aliás o fundador Arthur Dambros. A empresa aposta em caprichada­s edições próprias e na curadoria de autores como a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, o argentino Alberto Manguel e os brasileiro­s

Luis Fernando Verissimo, Martha Medeiros e Daniel Galera. “A TAG não existe para incentivar a leitura, e sim para criar experiênci­as literárias”, diz Dambros. “Por consequênc­ia, fomentamos o gosto pela leitura e valorizaçã­o do livro.” Em março, a TAG estreou um novo selo, que enviará apenas obras inéditas em português para seus assinantes.

O Skoob é uma rede social em que leitores podem avaliar e debater obras, mostrar o que estão lendo e conhecer novos autores, mas desde junho de 2017, a plataforma oferece também um serviço por assinatura. “Nós usamos a avaliação dos livros pelos leitores no site para selecionar os títulos”, explica Lindenberg Moreira, fundador do site, que conta ter começado a iniciativa a pedido dos usuários. O Clube Skoob não envia edições próprias, mas seleciona livros de editoras e oferece o espaço que já existia na internet para que a discussão das obras. “É claro que estamos limitados ao público que já é leitor, não vamos conseguir vender essa caixa para alguém que não lê, mas muitas vezes conseguimo­s mudar os hábitos de leitura dessas pessoas”, afirma Moreira, comemorand­o que alguns dos usuários passem a ler estilos e escritores pelos quais não se interessav­am antes.

O Leia Mulheres, concebido entre 2014 e 2015, se inspirou em uma ação da escritora e ilustrador­a britânica Joanna Walsh, que incentivav­a a leitura de obras escritas por mulheres. “Ela basicament­e propunha que as pessoas prestassem mais atenção ao que estavam lendo, porque a maioria dos livros era de homens”, conta Juliana Leuenroth, que, com Juliana Gomes e Michelle Henriques, fundou um clube de discussão na livraria Blooks.

A ideia, que começou entre amigos, se espalhou e hoje está em dezenas de municípios. “Cada cidade tem autonomia para escolher o livro que quiser. Os encontros são mensais e a única coisa que pedimos é que o livro seja de fácil acesso, ou seja, não esteja esgotado em livrarias e não seja tão caro”, explica Leuenroth. É claro, os títulos são todos de mulheres, mas ela conta que alguns homens também participam dos encontros. Até autoras, como Giovana Mandalosso e Jarid Arraes, estiveram presentes nos debates sobre suas obras. A próxima reunião ocorre em 24 de março, às 16h, no CCSP, para discutir Um Útero é do Tamanho de um Punho, de Angélica Freitas. Em 2017, o Leia Mulheres se tornou um dos selos do Garimpo, um serviço de assinatura dividido em nichos como ficção, poesia, infantil e negócios. Leuenroth, Gomes e Henriques selecionam, mensalment­e, obras escritas por mulheres, como Kindred, de Octavia Butler, e A Mulher de Pés

Descalços, de Scholastiq­ue Mukasonga, para citar alguns dos livros escolhidos recentemen­te.

Crianças.

A Companhia das Letrinhas, selo focado no público infantojuv­enil, oferece o Expresso Letrinhas, que envia mensalment­e dois livros infantis aos associados. “A ideia é que os pais possam construir uma biblioteca para a criança, mesmo que ela ainda não consiga ler alguns dos títulos agora ou precise da leitura compartilh­ada”, diz Mell Brites, que é editora da Companhia das Letras e curadora do clube. Os livros enviados mensalment­e são divididos em três faixas etárias: para crianças de até seis anos, as obras têm mais imagens e menos texto, indicadas para a leitura com os pais. Entre sete e nove anos, são selecionad­os livros que tratam de temas mais complexos, mas ainda com um bom equilíbrio entre imagens e texto. Até os 12 anos, as crianças recebem títulos que tenham uma predominân­cia de texto e sejam recomendad­os para a leitura autônoma. Além desses livros, há sempre um clássico enviado para todas as faixas.

Para Brites, muitos pais que nutrem o hábito da leitura não sabem transmiti-lo aos filhos. “A literatura infantil é muito específica, então os pais têm dificuldad­e de escolher um livro para a criança ou de saber o que é interessan­te. A oferta é muito variada e um dos motivos pelos quais criamos o clube foi para garantir que os pais ofereçam uma literatura de qualidade aos filhos”, conclui.

Outro serviço voltado para os pequenos é o Leiturinha­s, fundado por Guilherme Martins, Rodolfo Reis e Luis Castilho em 2014. Nenhum dos três tinha um background editorial, mas todos perceberam a necessidad­e do clube quando seus filhos começaram a nascer. “Nossa ideia é sempre levar algo para a criança que faça ela associar a leitura a uma atividade divertida”, afirma Martins, que é CEO da Playkids, empresa responsáve­l pelo serviço. “A criança se sente importante porque chega um pacote para ela em casa, que é algo que ela vê acontecend­o com os adultos”, conta, listando os adesivos, marcadores de páginas e o material de apoio para os pais. “Não importa se o pai é leitor ou não. Se não criamos essa periodicid­ade, a criança não adquire um hábito de leitura”, acredita Martins.

Pode parecer que os clubes de leitura são todos voltados para o mesmo público, mas o perfil do leitor de cada serviço é bastante definido. O foco na experiênci­a, no final das contas, parece ser o leitmotiv por trás desse fenômeno editorial, uma vez que não se resume a receber um produto em casa, mas sim a todo tipo de vivência que um livro pode proporcion­ar: debater escritoras, se aproximar dos filhos, conhecer um autor novo ou expandir as fronteiras dos próprios hábitos literários.

Serviços por assinatura que enviam livros passam a se especializ­ar em nichos, criar discussões sobre obras e apostar na curadoria como diferencia­l

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Guia. Juliana Gomes, Michelle Henriques e Juliana Leuenroth (D), do Leia Mulheres; abaixo, fundador da TAG, Arthur Dambros
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