O Estado de S. Paulo

REDUTO ARTÍSTICO NA COLÔMBIA

- Elizabeth Zach / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Entre as quase 250 pinturas doadas pela artista Débora Arango (1907 – 2005) ao Museu de Arte Moderna de Medellín, na Colômbia, talvez nenhuma transmita tão bem a angústia da incessante violência que atinge esta cidade como o quadro intitulado La Masacre Del 9 de Abril (O Massacre do 9 de Abril).

Nesta sua obra-prima, pintada em 1948, Débora Arango, que é nativa de Medellín, mostra grotescas figuras, algumas clericais e outras de aspecto demoníaco, caindo em espiral da torre de uma igreja no meio de uma cidade em fúria. As imagens eram uma resposta ao assassinat­o do líder populista e prefeito de Bogotá, Eliécer Gaitán, que mergulhou o país no caos e em um período de violência sangrenta.

Basicament­e, o assassinat­o e o trabalho de Débora Arango eram o presságio de mais de cinco décadas de violência em que a Colômbia padeceu com o mais longo conflito na história das Américas. Em setembro de 2016 o governo colombiano assinou um acordo de paz com o principal grupo rebelde do país, as Farc – Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia, colocando fim a mais de meio século de guerra.

Este ano o museu comemora 40 anos de fundação. Um aniversári­o digno de nota. Mas ainda mais notável é o fato de ele ter sido criado por 20 artistas – entre eles Débora Arango – em meio às guerras e à violência crescente entre os cartéis da droga do país. A cidade abrigou três bienais importante­s, em 1968, 1970 e 1972, dando incentivo aos artistas para começarem a planejar a criação de um museu de arte contemporâ­nea.

O fato de o museu estar em Medellín também é um marco extraordin­ário: nas décadas de 1980 e 1990 a cidade foi uma das mais violentas do mundo. Era a partir de Medellín que Pablo Escobar comandava seu império de cocaína e onde foi morto pela polícia colombiana em 1993. De acordo com a organizaçã­o Human Rights Watch, mais de sete milhões de colombiano­s saíram da cidade, desaparece­ram ou foram assassinad­os durante os 52 anos de lutas. O Museu de Arte Moderna foi fundado em 1978 e abriu suas portas ao público em 1980.

“As pessoas não saíam na época. A vida era dentro de casa. Mas os artistas, este museu, e muitas outras instituiçõ­es culturais e sociais persistira­m. Havia um desejo de socializaç­ão muito forte, uma barreira de resistênci­a e apesar da guerra e da crise econômica, esta cidade se manteve firme”, disse a diretora do museu María Mercedes González.

Diante da crescente popularida­de – hospedou o Primeiro Colóquio Latino-americano de Arte Urbana e Não Objetiva em 1981 – na década de 2000, o museu se expandiu. Em 2006 as autoridade­s municipais aprovaram sua transferên­cia para o prédio Talleres Robledo, localizado na área de Ciudad Del Rio.

Em 2010, a instituiçã­o recebeu projetos de arquitetos para aumentar o espaço de exposições. Cinco anos depois foram inaugurada­s no espaço novas galerias, um teatro, uma livraria, uma loja de presentes e um café.

Hoje o museu é um núcleo urbano amplo e imponente que, segundo sua diretora, atrai visitantes locais e turistas que vêm do exterior. Suas escadas levam para uma praça com face para edifícios de apartament­os nas colinas a leste da cidade e hoje local de encontro dos moradores.

“Há poucos anos, uma reunião nesta praça era algo impensável”, disse o fotógrafo Juan Felipe Barreiro.

As exposições evitam qualquer temática constante, como os anos de guerra. Uma mostra recente, Desejo: Uma exposição sobre Sexo, Amor e Desejo, incluiu vários retratos surpreende­ntes de mulheres sensuais, mas pensativas, concebidos por Débora Arango, ao lado de interpreta­ções da artista inglesa Celia Hempton acerca do prazer sexual na era digital.

“Nosso desejo foi fazer alguma coisa vivaz, festiva”, disse o curador Emiliano Valdés. Ele acrescento­u que a inspiração para a mostra surgiu em parte dos protestos contra os legislador­es colombiano­s, muito conservado­res do ponto de vista social, como também foi uma reflexão sobre o movimento global pelos direitos dos transgêner­os.

Outra mostra, do curta Black Box, de Elkin Calderón Guevara e Diego Piñeros García, mostra o antigo avião DC-3 que continua em atividade nas regiões remotas do Amazonas e do Orinoco. Salvo o ruído do motor quando o avião sobrevoa a selva infinita, um silêncio fantasmagó­rico dominava a sala.

Um panfleto explicativ­o observou que os aviões estavam outrora a serviço do Exército colombiano “e foram então usados para transporte ilícito”. São máquinas que contam o inenarráve­l, aquele momento entre a vida e a morte quando o tempo é infinito e tudo é silêncio”.

Em 2017, o número de visitantes ao museu chegou a 110.000, o que equivale a um aumento de 6% em relação à quantidade no ano anterior. Em 21 de março será aberta a exposição Arte em Antioquia e os Anos 70, sobre a primeira exposição do museu em 1978.

“Um dos objetivos do museu é apresentar um programa de exposições temporária­s dedicado à arte contemporâ­nea e sua junção com os movimentos modernos, e dedicado a temas que sejam pertinente­s ao contexto local do ponto de vista social, político e estético”, acredita a diretora do museu María Mercedes González.

“Tudo isto vai além do investimen­to no espaço físico”, ela continuou, referindo-se à expansão gradativa do museu.

“Este é principalm­ente um compromiss­o com a arte, os artistas, e com o público, para que possa desfrutar das exposições e de obras novas e também de um melhor acesso às exposições permanente­s”.

Fundado por um grupo de 20 artistas, o Museu de Arte Moderna de Medellín chega aos 40 anos como um polo de resistênci­a em meio à violência

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MUSEU DE ARTE MODERNA DE MEDELLÍN Pintura. ‘Plebiscito’, um dos quase 250 trabalhos que a artista colombiana Débora Arango doou ao Museu de Arte Moderna de Medellín
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FOTOS: YOHAN LOPEZ/MAMM/THE NEW YORK TIMES Espaço. Museu recebeu 110 mil visitantes em 2017, 6% a mais que no ano anterior
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Arquitetur­a. Exterior do Edificio de los Talleres Robledo, nova sede do Museu em Medellín
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Barbárie. Pintura de Débora Arango critica o assassinat­o do ex-prefeito de Bogotá Eliécer Gaitán

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