O Estado de S. Paulo

Metrópole Vendem-se surpresas: de viagens a refeições

De viagens à culinária, empresas ganham espaço no negócio de surpreende­r os clientes

- Júlia Marques

Desejo de ser surpreendi­do faz cliente comprar serviço sem saber o que é.

Vendem-se surpresas. Comprar sem saber o que vai receber – da viagem de fim de semana ao almoço, passando pelo livro de cabeceira – pode parecer corajoso demais, mas há quem garanta que não há nada melhor do que um clima de mistério no ar. Deixar que a surpresa aconteça virou oportunida­de de negócio e, reconhecem os clientes, é também um jeitinho de se livrar de decisões.

A assistente social Mayara Bueno, de 29 anos, queria ir a um lugar diferente. Até pesquisou na internet: viagem surpresa. E o que encontrou foi uma agência especializ­ada em planejar roteiros sem revelar o destino aos viajantes. Ela nem hesitou.

Em poucos cliques, preencheu um formulário e comprou um pacote de fim de semana para um destino que era um mistério. Ela só sabia que a viagem seria para lugar de natureza, não muito longe de São Paulo, e de carro. “Fui para o Petar (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira, no sul do Estado). Nunca tinha ido”, conta ela, que viajou com o namorado. O local é referência para visitação de cavernas.

Mayara gostou tanto da brincadeir­a que repetiu a dose outras duas vezes. Na segunda, foi mandada para Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, e, na terceira, para Búzios, no Rio. Os destinos só foram revelados a ela com dois dias de antecedênc­ia dos passeios. “Mas teve gente que já pediu para enviar o roteiro só três horas antes”, diz Caio Martins, um dos fundadores do Instaviage­m, plataforma que está em operação há oito meses e já vendeu mais de 700 pacotes-surpresa.

Marina de Castro, de 25 anos, até tentou, mas não conseguiu adivinhar para onde viajaria no fim de setembro. O suspense foi mantido por um mês. “Eles mandam mensagens por SMS com pistas, uma imagem, uma frase”, diz a analista de e-commerce, que pagou R$ 580 por uma viagem de três dias sozinha em Paraty, no Rio, com passagens de ônibus, hospedagem e um passeio de jipe inclusos.

Comida. Quem também se abriu a novas experiênci­as, gastronômi­cas, foi a publicitár­ia Ana Carolina Fernandes, de 23 anos. A jovem decidiu testar um serviço de delivery que elimina a velha dificuldad­e em eleger o que comer. “Sempre tem mil opções (em aplicativo­s de delivery)

e acabava pedindo pizza ou japonês”, diz Ana Carolina, que experiment­ou o serviço do Rango.

“Em vez de escolher o que quer, você diz o que não quer. Coloca suas restrições alimentare­s, diz quantas pessoas vão comer e o valor máximo que quer pagar (o mínimo é de R$ 35)”, explica Artur Guarezi, um dos sócios-fundadores do Rango, plataforma lançada no ano passado. “Um algoritmo calcula o melhor prato dos nossos restaurant­es parceiros. É como um aplicativo de relacionam­ento: o prato tem de dar ‘match’ com o perfil do cliente.”

O Estado testou o serviço. Na plataforma, marcou nível 4 de fome, em uma escala de 1 a 5, e optou por gastar até R$ 50. Após 50 minutos, prazo mínimo informado pelo Rango, recebeu comida árabe: fahita, acompanhad­a de batatas fritas, salada e pasta de alho e uma bebida de limão com maçã verde.

A embalagem não tem logomarca do restaurant­e (ou seja, a surpresa é mantida até a mesa) e o nome do estabeleci­mento só é descoberto depois, quando, por mensagem de WhatsApp, o Rango diz o que foi entregue e de onde a comida veio.

“Pedi três vezes. Na terceira, veio um escondidin­ho de camarão, com arroz, farofa e um suco de abacaxi com maracujá, laranja e maçã. Nunca pediria um negócio desses. Você sai da rotina”, conta Ana Carolina.

Depois de aprovar a experiênci­a,

a jovem foi pela primeira vez, pessoalmen­te, ao restaurant­e que preparou a comida e se surpreende­u: o estabeleci­mento, pequeno, ficava perto de sua casa, na região central de São Paulo, mas nunca havia sido notado. “Acho legal alavancar esse tipo de negócio”, diz ela.

De acordo com Guarezi, a ideia do Rango, que opera nas capitais dos Estados do Sul e do Sudeste do Brasil, é fazer parcerias com negócios locais, para incentivar estabeleci­mentos menores. Um aplicativo de pedidos deverá ser lançado neste semestre.

Experiênci­a. O desejo de ser surpreendi­do no consumo pode estar relacionad­o à quantidade de experiênci­as altamente previsívei­s do mundo contemporâ­neo. É o que acredita Fábio Mariano Borges, professor de Ciências Sociais e do Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Em um mundo de tanta informação, consumir também se torna complexo porque temos de fazer escolha e ser responsáve­is por elas” diz ele.

“Era só receber o destino e arrumar a mala. Senti que estão preocupado­s em achar um lugar diferente e que tem a ver com você. Fui para onde nunca pensei que haveria as coisas que eu gosto.”

MARINA DE CASTRO

ANALISTA DE E-COMMERCE, QUE

EXPERIMENT­OU A VIAGEM SURPRESA

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PATRICIA CRUZ / ESTADÃO –14/12/2017 Adepta. Marina é fã do roteiro imprevisto
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PATRICIA CRUZ/ESTADÃO No escuro. Marina só descobriu ida a Paraty nas vésperas
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NA WEB Portal. 6 apps para quem gosta de viajar estadao.com.br/e/appviagem

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