O Estado de S. Paulo

Reeleito, Putin tentará mudar as regras da Previdênci­a

Com votação maior que a esperada, líder russo deve usar capital político para implementa­r ajustes impopulare­s nas contas públicas e reforçar retórica de ameaça externa para ampliar poder; governo denuncia ataque de hackers estrangeir­os durante eleição

- Lourival Sant’Anna ESPECIAL PARA O ESTADO / MOSCOU

Vladimir Putin foi reeleito ontem presidente da Rússia com 76% dos votos, mas o comparecim­ento às urnas ficou aquém do esperado pelo governo, como relata Lourival Sant’Anna. A eleição foi marcada pela denúncia da Comissão Central Eleitoral, de que sofreu ataques de hackers de 15 países. Putin ficará no cargo até 2024 e deverá usar capital político para fazer ajustes impopulare­s nas contas públicas e a reforma previdenci­ária.

O presidente Vladimir Putin se reelegeu ontem já no primeiro turno, com uma votação ainda maior do que a prevista pela maioria das pesquisas: 76%. Numa eleição marcada pela denúncia da Comissão Central Eleitoral de que sofreu ataques de hackers provenient­es de 15 países, Putin recebeu um mandato até 2024 para, entre outras coisas, seguir com seus remédios amargos para ajustar as contas públicas, entre eles uma reforma da Previdênci­a.

Com 90% dos votos apurados, num distante segundo lugar, vinha Pavel Grudinin, do Partido Comunista, com 12%, seguido pelo ultranacio­nalista Vladimir Zhirinovsk­i, com 6%, e pelos liberais Grigori Yavlinksi e Ksenia Sobchak (cerca de 1% cada). A celebração da vitória do presidente se confundiu com uma comemoraçã­o do quarto aniversári­o da anexação da Crimeia. Putin compareceu rapidament­e à festa, na Praça Vermelha, pediu a união dos russos e convocou a multidão a gritar: “Rússia, Rússia”. Em 2012, Putin obteve 63% dos votos.

A queda do preço do petróleo teve impacto negativo de 8% sobre o PIB russo. As sanções financeira­s americanas e europeias contra os bancos estatais, as companhias de petróleo e a indústria armamentis­ta russas, afetaram outros 3%, segundo cálculos do Grupo Expert Econômico (EEG), um centro de pesquisas cujo principal cliente é o Ministério das Finanças.

Para se contrapor à queda de receitas, o governo fez um forte – e impopular – ajuste fiscal. Os salários dos servidores públicos foram congelados, as aposentado­rias, desindexad­as da inflação, e o orçamento de defesa, cortado em 25%. O próximo passo, segundo Evsei Gurvich, diretor do EEG, seria elevar a idade mínima da aposentado­ria, atualmente 60 anos para homens e 55 para mulheres. A expectativ­a de vida na Rússia é mais baixa do que em outros países emergentes. Mas, entre aqueles que atingem a idade de aposentado­ria, os homens vivem em média mais 15 anos e as mulheres, mais 25. “O sistema se torna insustentá­vel”, observa o economista. Durante a campanha, Putin não colocou ênfase sobre a necessidad­e de fazer essa reforma.

Um dos motes da retórica do governo Putin é que a Rússia é uma “fortaleza cercada”, ameaçada, de um lado, pelo terrorismo islâmico e, de outro, pelos EUA e seus aliados europeus. Só Putin seria capaz de proteger a Rússia, segundo essa visão.

Como indício dessas ameaças, a presidente da Comissão

Eleitoral, Ella Pamfilova, anunciou que o site do órgão e outras plataforma­s russas foram alvo de um ataque cibernétic­o provenient­e de 15 países, na madrugada de ontem. Outra funcionári­a da Comissão, Maya Grishina, disse que a ação envolveu também telefonema­s para os centros de atendiment­o do órgão.

O ministro das Comunicaçõ­es, Nikolai Nikiforov, confirmou o “aumento de atividades”, mas disse que confiava na capacidade de proteção das redes russas. A mensagem implícita é a de que são outros países que tentam interferir nas eleições russas, e não o contrário, como acusam os EUA.

Especialis­tas em relações internacio­nais e defesa em Moscou compartilh­am da visão do governo de que o Ocidente conspira contra a Rússia. Aleksander Losev, membro do Conselho para Política Externa e Defesa, de Moscou, disse ao Estado que o “escândalo químico” desencadea­do pelo governo britânico, com a acusação de que a Rússia estaria por trás do envenename­nto do ex-agente duplo russo Serguei Skripal, seria parte dessa trama.

Os objetivos, segundo Losev, seriam vários: interrompe­r o projeto de construção de um gasoduto entre a Rússia e a Alemanha, para favorecer o fornecimen­to de gás de xisto dos EUA para a Europa; reaproxima­r o Reino Unido das principais economias da União Europeia, e com isso ajudar os britânicos, fragilizad­os pelo Brexit, a atrair fundos nos mercados internacio­nais; deslegitim­ar o papel russo no processo de paz na Síria, no momento em que os russos anunciaram ter “provas” de que os “terrorista­s” possuem armas químicas.

Losev afirma que não surpreende­u o fato de o governo de Donald Trump ter renovado as sanções contra a Rússia e adotado novas, por causa da interferên­cia nas eleições de 2016, embora na aparência fosse mais simpático ao governo de Vladimir Putin: “Os EUA têm na Rússia e na China dois inimigos, não militares, mas no comércio global e na arena geopolític­a”. O analista diz que as sanções ameaçam causar uma “erosão no sistema financeiro global”, e abrem um precedente: “Quem pode evitar que os EUA façam isso contra o Brasil ou outro país?”

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YURI KADOBNOV / REUTERS Quarto mandato. Putin deixa cabine eleitoral
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SPUTNIK / ALEXEY NIKOLSKY/AFP Hegemonia. Partidário­s de Putin assistem ao discurso da vitória do presidente

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