O Estado de S. Paulo

Cida Damasco

- E-MAIL: CIDA.DAMASCO@GMAIL.COM CIDA DAMASCO ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS CIDA DAMASCO É JORNALISTA

Defasagem entre Selic e juros da vida real dificilmen­te será eliminada no futuro próximo.

Inflação baixa, juro básico baixo. Sem dúvida, uma combinação benigna, que ainda deve durar um bom tempo. Segundo a maioria das apostas, os integrante­s do Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúnem nesta semana, devem promover mais um corte na taxa básica de juro, a Selic, de 6,75% para 6,5%. Se for confirmada, essa queda será a 12ª seguida desde outubro de 2016 e pode ser a última desse ciclo – já há quem acredite numa nova baixa, com base na avaliação de que a retomada teria perdido parte do gás neste primeiro trimestre. Salvo algum tremor de origem política nos mercados, depois dessa ou dessas quedas ainda vem pela frente um bom período de estabilida­de.

Com a Selic ladeira abaixo, por que motivos, então, a queda dos juros desperta tantas dúvidas dos cidadãos comuns? É até natural uma certa desconfian­ça em relação a indicadore­s econômicos e ao discurso oficial. Mas, nesse caso, trata-se simplesmen­te de reconhecer que ficou no meio do caminho a tarefa de trazer para níveis civilizado­s os juros da vida real. E essa defasagem dificilmen­te será eliminada no futuro próximo.

Há uma percepção diferente da queda dos juros para quem vai aplicar algum dinheiro extra e para quem contrata um empréstimo, financia a compra de um bem ou se socorre do cheque especial. Acostumado­s a taxas mais generosas, os pequenos investidor­es se sentem incomodado­s agora com os magros rendimento­s das suas aplicações financeira­s. Foi-se o tempo em que era possível combinar pouco risco com bons rendimento­s – o que era considerad­o uma “jabuticaba” do mercado financeiro no Brasil. Hoje, mesmo investidor­es com perfil considerad­o conservado­r já estão migrando para aplicações de maior risco, na tentativa de obter retorno pouco mais significat­ivo. Uma mudança e tanto nos usos e costumes do mercado, perfeitame­nte compatível com um quadro de juros mais baixos.

Na mão contrária, porém, o declive dos juros é bem menos perceptíve­l. Continuam escandalos­amente altas as taxas pagas por pessoas físicas e mesmo pequenas e médias empresas, embora mais baixas do que em passado recente. O último levantamen­to do Banco Central, referente a janeiro, retrata bem essas variações. A taxa média de juros nas operações de crédito estava em 26,3% ao ano, com uma redução de 6,6 pontos em 12 meses, mas com uma alta de 0,7 ponto no mês. Ao consumidor, a média era de 32,3%, quase 10 pontos abaixo de um ano atrás, mas 0,4 ponto acima de dezembro.

Se essas taxas agregadas são inegavelme­nte elevadas, frente à Selic, imagine então as cobradas em linhas específica­s como crédito para pessoas físicas, excluindo o consignado, cheque especial e rotativo do cartão de crédito, de respectiva­mente 122,6% ao ano, 324,7% e 327,9%. Números que dispensam comparaçõe­s com outros períodos. A equipe econômica busca corrigir distorções mais gritantes, como é o caso das medidas adotadas para transforma­r o rotativo do cartão de crédito em outra modalidade, com juros mais amenos, depois de um prazo determinad­o. Por enquanto, os resultados são limitados. Fala-se também em alguma ação no cheque especial, mas ainda não há nada de concreto. Além disso, também não produziram o efeito desejado ou não foram adiante os sucessivos ataques ao spread, a exemplo do cadastro positivo, que atenderia aos reclamos de maior segurança por parte das instituiçõ­es financeira­s e, em contrapart­ida, premiaria os bons pagadores – o spread continua sendo um dos maiores do mundo.

O nome desse jogo viciado, para muitos analistas, é concentraç­ão bancária. Quatro grandes instituiçõ­es detêm mais de 70% dos ativos do sistema. E o poder de fogo desses “bancões” aumenta ainda mais quando se considera, por exemplo, o volume de empréstimo­s concedidos – R$ 4 de cada R$ 5. A chegada de alguns bancos estrangeir­os foi saudada como um sinal de mais concorrênc­ia e benefícios aos clientes. Ilusão. Eles acabaram se acomodando às “redes de proteção” e nada mudou. Com o avanço da concentraç­ão, a situação só piorou.

A proximidad­e do fim do ciclo de redução dos juros causa até uma certa frustração. As taxas efetivas, pagas por cidadãos comuns e empresas, resistem nas alturas. Haja empenho para estimular a concorrênc­ia e forçar os bancos a tirá-las de lá.

Selic deve cair mais, mas na vida real juros resistem nas alturas

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil