O Estado de S. Paulo

Autonomia e responsabi­lidade

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Aindependê­ncia dos Poderes não deve representa­r alheamento em relação às necessidad­es do País.

No mês passado, o governo de Michel Temer apresentou uma agenda de 15 temas prioritári­os para a economia do País. Diante da suspensão da tramitação da reforma da Previdênci­a, por força da intervençã­o federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, a pauta com as 15 prioridade­s é o passo possível a ser dado para assegurar a retomada do desenvolvi­mento econômico e social.

Essa agenda de prioridade­s do governo de Michel Temer concretiza­se em projetos legislativ­os. Por sinal, das 15 propostas, 13 já estão em tramitação no Congresso, o que é um aspecto de grande relevância para a sua viabilidad­e, especialme­nte em ano eleitoral. Uma parte do caminho já foi percorrida. Não é preciso partir do zero.

É um tanto estranho, no entanto, que o Congresso venha dando tão pouca prioridade à pauta das 15 propostas. Na realidade, pouco foi feito. E esse pouco, em vez de um avanço, foi um retrocesso. A comissão mista responsáve­l pela Medida Provisória (MP) 806/17, que trata da tributação dos fundos exclusivos, desfigurou o texto original de forma a reduzir o seu alcance. Ou seja, em vez de aproveitar para dar cumpriment­o a uma das 15 medidas destinadas a melhorar o equilíbrio das contas públicas, o Legislativ­o deu força ao déficit fiscal.

Não bastasse dificultar o andamento das medidas, há no Congresso quem alardeie a sua falta de compromiss­o com a agenda de prioridade­s, como se fosse meritório ignorar as medidas que podem contribuir para melhorar o ambiente econômico do País simplesmen­te para se opor ao governo federal. Haja indiferenç­a com o interesse público para atuar dessa maneira tão distorcida.

O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), parece ceder a esse tipo de tentação, com suas cotidianas tentativas de gerar embates com o Palácio do Planalto. É estranho que alguém possa considerar que esse tipo de atitude engrandeça sua biografia, especialme­nte quando o papel institucio­nal do cargo que ocupa é justamente assegurar o bom andamento na Câmara da pauta prioritári­a para o País, seja qual for a sua origem.

Recentemen­te, o presidente da Câmara queixou-se do governo federal. “O Congresso já teve supressão de poder com a intervençã­o. Medida provisória também suprime esse poder e éa decisão de uma pessoa se sobrepondo à do Parlamento”, disse Rodrigo Maia à jornalista Vera Magalhães, do Estado.

Na queixa de Rodrigo Maia, há uma inversão do papel do Congresso. É competênci­a constituci­onal do Poder Legislativ­o apreciar o decreto de intervençã­o do Executivo. “O decreto de intervençã­o, que especifica­rá a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o intervento­r, será submetido à apreciação do Congresso Nacional (...) no prazo de vinte e quatro horas”, diz o parágrafo primeiro do art. 36 da Constituiç­ão.

Ao editar o decreto da intervençã­o, o Palácio do Planalto não suprimiu qualquer poder do Congresso. Bastava a Câmara recusá-lo, se assim entendesse. No entanto, os deputados autorizara­m, por 340 votos a 72, a intervençã­o federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.

Da mesma forma, o Congresso tem plena autonomia para rejeitar as medidas provisória­s propostas pelo presidente da República. Basta ver o caso da MP 806/17, desfigurad­a em seu propósito arrecadado­r. O que o Congresso não tem – até porque representa o povo – é distanciam­ento do interesse público, como se fosse possível virar as costas às prioridade­s do País, sem maiores consequênc­ias aos deputados e senadores.

Como é natural, essa mesma advertênci­a cabe ao Executivo e ao Judiciário. São Poderes independen­tes, mas essa independên­cia não deve representa­r alheamento em relação às necessidad­es do País. Por exemplo, está pendente de decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF) o adiamento do reajuste dos servidores do Executivo.

Ver no assunto um imperativo nacional mais do que mera agenda do governo federal não é um favor que se faz ao Executivo, é simples sintoma de maturidade dos integrante­s de um Poder que sabe harmonizar a necessária autonomia com a indispensá­vel responsabi­lidade.

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