O Estado de S. Paulo

GERAÇÃO QUE NÃO VIU OUTRO LÍDER

Embora participem de marchas opositoras, jovens estão mais propensos do que qualquer grupo a apoiar Putin

- / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Os jovens são otimistas sobre o futuro e têm maior probabilid­ade de aprovar Putin. Estudo do Carnegie Moscow Center revela que eles são menos propensos a mudanças de longo alcance.

Mikhail Solovyev nasceu em 31 de dezembro de 1999. Foi um dia difícil, mesmo para os padrões siberianos, com temperatur­as de -50ºC. Os bondes e os táxis em Novosibirs­k pararam de funcionar, mas sua mãe conseguiu chegar ao hospital e entrou no novo milênio com o bebê nos braços. No mesmo dia, a cerca de 3.400 quilômetro de distância, em Moscou, Boris Yeltsin sentou-se diante de uma árvore de Ano Novo no Kremlin e com voz arrastada, fez um grave discurso: “Eu vou embora”, disse ele. Depositou a Rússia nos braços de um novo líder, Vladimir Putin.

Nos 18 anos que se seguiram, enquanto Putin consolidav­a seu poder em Moscou, Mikhail tornou-se um homem robusto. Ele é agora um orgulhoso membro de um clube militar-patriótico local, bem como um ativista ambiental preocupado com aves ameaçadas de extinção.

O potencial daqueles que não conheceram nenhum governante, a não ser Putin, começou a chamar atenção em março do ano passado, quando milhares de jovens em todo o país respondera­m ao chamado do líder da oposição, Alexei Navalni, para protestar contra o elevado nível de corrupção. Na semana seguinte, os consultore­s políticos conectados ao Kremlin realizaram um fórum de discussão em um bar de Moscou que capturou o humor: “Protesto de 26 de março”, leia o convite, “WTF” (acrônimo para “what the fuck”).

Putin então começou a aparecer em mais eventos com jovens adeptos, para combater o apelo de Navalni. A molodezh (juventude) atingiu um status quase mítico no discurso político russo. Quem são eles? O que querem? Como veem o mundo?

Cerca de 28 milhões de crianças nasceram na Rússia desde que Putin tomou o poder. Suas condições de vida diferem amplamente. Suas opiniões sobre política, história, religião, direitos e identidade nacional variam em um amplo espectro. Mas algumas tendências emergem.

Os Puteens chegaram à maioridade numa época de prosperida­de sem precedente­s para a Rússia, apesar de uma recente desacelera­ção. O PIB per capita aumentou mais de seis vezes desde que Mikhail nasceu. A taxa de desemprego entre jovens é relativame­nte baixa para os padrões da Europa Oriental, com 15%. Os jovens russos de hoje bebem menos, fumam menos e vivem mais.

Embora tenham crescido na Rússia, eles vivem a maior parte de sua vida online, como jovens de outros lugares. Mais de 90% dos russos de 18 a 24 anos conectam-se à internet diariament­e, em comparação com menos de 50% dos 40 aos 54 anos de idade e apenas 15% dos russos com 55 anos ou mais. “De um ponto do mundo, podemos chegar a outro lado, e isso abre oportunida­des ilimitadas e horizontes ilimitados para nós”, diz Abubakr Azaev, de Makhachkal­a, a capital da república muçulmana de Daguestão. “Basicament­e, sei como as pessoas vivem na China, no Japão, nos EUA”. Eles compartilh­am histórias no Instagram e conversam no WhatsApp; eles curtem tanto rap dos russos e os Scorpions. Abubakr não se cansa de Hobbit de Tolkien e da banda britânica Gorillaz.

União. Essa sensação ampliada do mundo parece tornar os Puteens mais abertos. A dinâmica do constante confronto com o Ocidente tem menor apelo para eles. O grupo adulto mais jovem da Rússia é mais propenso a ter opiniões positivas sobre os EUA e a União Europeia, e é menos provável que acredite que a Rússia tem inimigos. Eles confiam nas informaçõe­s de amigos e parentes, e cada vez mais evitam as notícias agressivas controlada­s pelo Estado na televisão. Mais de 70% dos jovens de 18 a 24 anos recebem suas notícias online, em comparação com apenas 9% das pessoas com mais de 55 anos; mais de 90% dos mais de 40 ainda dependem da televisão.

A combinação de oportunida­des relativas e abertura básica faz com que os eleitores mais jovens da Rússia, em geral, sejam otimistas quanto ao futuro – embora, claro, alguns deles ainda tenham que lidar com a busca de um emprego ou encontrar uma casa, e sem contar com a tarefa de criar suas próprias famílias.

Os jovens que participar­am do protesto de Navalni formam um bloco visível e ativo, mas representa­m uma pequena parcela de sua geração. Em vez de engajar-se em uma revolução, os jovens de 18 a 24 anos têm maior probabilid­ade do que qualquer outro grupo etário a aprovar o desempenho de Putin. Quando chamados a escolher entre um sistema político de estilo soviético, o atual sistema russo e a democracia do estilo ocidental, o mais provável é que escolham o sistema atual. Um estudo recente realizado pelo Carnegie Moscow Center revelou que os jovens são menos propensos a apoiar mudanças de longo alcance na Rússia.

Isso não os torna leais ao Kremlin, mas sim realistas. Para os Puteens, o presidente é semelhante ao sol, uma caracterís­tica constante do ambiente. Alguns se deleitam com seu brilho bombástico; aqueles que acham sua presença opressiva recorrem ao protetor solar ou não se expõem na rua. “Claro, existem algumas deficiênci­as, mas as coisas estão indo muito bem – poderia ser muito pior”, diz Mikhail.

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