O Estado de S. Paulo

‘Há um novo código penal no País, o do autoritari­smo’.

Mariz vê ‘protagonis­mo social’ no STF e critica decisão de Barroso de alterar indulto natalino: ‘É ato soberano, ato do rei’

- Eduardo Kattah Fausto Macedo

O advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que defende o presidente Michel Temer, diz que o que chama de “cultura punitiva” no País está resultando em um novo código de processo penal: “o do autoritari­smo”. Mariz acredita também que há uma “movimentaç­ão do sistema jurídico penal inusitada em relação a um presidente da República”. “É evidente esta devassa”, afirmou em entrevista ao Estado na quarta-feira passada, concedida em seu escritório na Avenida Paulista.

O senhor disse que o presidente Michel Temer está sofrendo uma devassa. Por qual motivo? Qualquer resposta que eu der é subjetiva. O que eu vejo é que há realmente uma movimentaç­ão do sistema jurídico penal inusitada em relação a um presidente da República. Por exemplo: por que se está recuperand­o um fato ocorrido em 2010 para colocar o presidente da República como investigad­o? Por que se está quebrando o sigilo bancário dele a partir de 2013 se os fatos objeto de inquérito se deram em 2017? E se ele, presidente da República, à mercê do artigo 86, parágrafo 4 (da Constituiç­ão), só pode ser investigad­o, e aí tem uma outra discussão, só pode ser responsabi­lizado por fatos contemporâ­neos à Presidênci­a. Então eu acho que é evidente esta devassa. Há uma corrente preocupada no superdimen­sionamento, na supervalor­ização da atividade persecutór­ia do Estado, que basicament­e é comandada pelo Ministério Público e pelo Judiciário, com o auxílio da polícia, e está à mercê de todas essas ações. Esta cultura punitiva que tomou conta do País faz parte de um plano para dar prestígio, para dar força, para dar uma importânci­a superior às demais instituiçõ­es do Estado a essas que tomam conta da persecução penal.

Como viu a manifestaç­ão do ministro Luís Roberto Barroso, que apontou vazamento da decisão da quebra do sigilo?

Foi uma manifestaç­ão açodada porque ele poderia perguntar para um assessor: “olha, esses números estão aí em algum lugar?”. Eu tirei os números do site. Essa pressa dele, esse descuido dele na verdade é fruto desta cultura punitiva, desta ânsia por punição contra o presidente da República. Por que eu não sei.

O Planalto disse que o sigilo do presidente seria aberto espontanea­mente e divulgado. O senhor é a favor?

Não. Já foi devassado. Divulgar ou não já é uma questão que foge, na minha opinião, à vontade do presidente. O relator que permita o acesso ou não a essas contas. Mas ele (Temer) ficou entusiasma­do com essa ideia, alguém deu a ideia lá.

O presidente errou ao editar o indulto natalino?

Não sei. Fui presidente do Conselho Nacional de Política Criminal. Nunca, não na minha gestão, mas na história do Conselho – que é quem prepara os indultos –, nunca houve uma interferên­cia do Judiciário. Isto é ato soberano, é ato do rei, isto é histórico, isto é no mundo. Se você tiver uma ilegalidad­e, aí sim. Mas se você não tiver ilegalidad­e no mérito... Falam que esse indulto do presidente iria colocar corruptos (em liberdade). Não se apontou um.

Embora não seja o chamado crime de sangue, a corrupção não é um crime tão gravoso quanto? O ex-ministro Ayres Britto disse que o indulto seria um convite para a reincidênc­ia, um cheque em branco...

Ou tem indulto ou não tem. Agora, o pior é dizer que, pela Constituiç­ão, o corrupto não pode ser beneficiad­o pelo indulto. Não existe isso.

O sr. acredita que a decisão do ministro Barroso pode ser reformada pelo plenário?

Aí eu já não sei. O plenário hoje é quase uma caixa de Pandora. Era preciso que eles dissessem: “olha, tais e quais corruptos vão para a rua, a Lava jato vai ser prejudicad­a porque vão soltar 40 caras”. Ninguém diz isso, fica só nesse discurso. Tudo agora vai acabar com a Lava Jato. Tudo. Essa questão, por exemplo, gravíssima, que se defende ardorosame­nte da condução coercitiva. A lei não permite. Muda a lei.

A condução coercitiva está dentro desse clima da intolerânc­ia que aponta?

Da cultura punitiva. Os juízes passando por cima de algumas normas. Está se criando um código penal novo. Há um código de processo penal novo no País. Por exemplo: hoje eu arrolo você como testemunha de defesa e o juiz pergunta porque eu quero te ouvir. Quer dizer, eu tenho, como defensor, que antecipar a minha estratégia de defesa.

O sr. já disse que está preocupado com o autoritari­smo...

O que preocupa é o avanço do autoritari­smo do sistema penal. Há um novo código penal no País, o do autoritari­smo. E preocupa o protagonis­mo social. Pessoas que querem se sobressair a qualquer custo. Aumenta a preocupaçã­o quando esse protagonis­mo chega no Poder Judiciário e no Supremo. Aprendi na escola que juiz fala nos autos. Falei isso para o ministro Barroso.

A Lava Jato completou 4 anos. Qual é o saldo?

O saldo é positivo no sentido de você ter levantado o tapete. Você retirou debaixo do tapete uma poeira que já estava cristaliza­da quase. Esse é o saldo positivo. O saldo negativo: os excessos, as agressões aos direitos individuai­s e principalm­ente a intolerânc­ia que tomou conta da sociedade brasileira. Em nome do combate, em nome da represália, você se tornou um ser intolerant­e. Nós não estamos preocupado­s com justiça. E o pior que no aparelho de Justiça também está impregnada essa ideia. A ideia do castigo, a ideia da vingança. Isso é muito ruim. Tem que punir? Tem que punir. Tem que processar? Tem que processar. Tem que prender? Em casos excepciona­is. Sou contra a prisão. Só para casos excepciona­is.

A autorizaçã­o para prisão após a 2ª instância tem de ser revista? Tem que ser revista essa posição, mas eu vou dar a mão à palmatória. Eu também acho que há excesso de recursos. Eu mesmo aqui no escritório me sinto obrigado e compelido a recorrer até o meu cliente não ser preso. Eu acho então que nós teríamos de achar um meio termo. E qual seria esse meio termo? Seria a antecipaçã­o do trânsito em julgado porque aí você não iria ferir a presunção de inocência para o julgamento no Superior Tribunal de Justiça.

Se discute se o Supremo deve ou não se manifestar antes da análise do último recurso do expresiden­te Lula no TRF-4. Claro. Se eu acho que tem que mudar, por que não mudar agora? Independen­te do Lula. Mude-se logo, não é?

Temer se reuniu com a Cármen Lúcia na casa da presidente do Supremo. Isso é questionáv­el pelo fato de o presidente ser investigad­o na Corte?

As coisas estão sendo superdimen­sionadas, não é? Eu acho o seguinte, dentro dessa cultura punitiva, tem um viés muito perigoso que é o viés do negativo, que é o viés do pecado, da irregulari­dade. Você não tem o viés positivo de nada, você sempre enxerga a faceta pior das coisas. Meu Deus, vamos parar de poesia hipócrita.

Como defensor, o que o sr. vislumbra para o presidente em janeiro de 2019?

Como ele terminará o mandato, ele terá que enfrentar a Justiça de primeiro grau. Se não tiver nenhuma causa de prerrogati­va, ele terá que enfrentar a Justiça em primeiro grau e isso obviamente é preocupant­e.

O presidente teme essa devassa? Para mim nunca demonstrou. Pelo contrário, veio com essa história de mostrar as contas.

O País vive uma crise moral? Uma manifestaç­ão dessa crise não teve início agora, é mais antiga. Eu diria até que essa crise moral e ética, na minha opinião, é a causa básica da corrupção. Você tem razões sociais e de outras naturezas que justificam, que explicam, a criminalid­ade violenta, mas você tem também razões e fatores que desencadei­am a corrupção. Acho que essa crise ética e moral está muito ligada à nossa cultura do levar vantagem, a nossa cultura do jeitinho, que até pouco tempo era uma coisa folclórica. O jeitinho brasileiro estava muito ligado à criativida­de do brasileiro. De repente essa criativida­de passou a ser utilizada para o crime, para levar vantagem no sentido do ganho.

O que eu vejo é que há realmente uma movimentaç­ão do sistema jurídico penal inusitada em relação a um presidente da República.”

O jeitinho brasileiro estava muito ligado à criativida­de do brasileiro. De repente essa criativida­de passou a ser utilizada para o crime, para levar vantagem no sentido do ganho.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO Defesa. Mariz diz que é ‘evidente’ a devassa contra Temer Antonio Claudio Mariz de Oliveira, advogado criminalis­ta e defensor do presidente Michel Temer

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