O Estado de S. Paulo

‘Intervençã­o no Rio não privilegia a presença de tropas nas ruas. É gerencial’

Assassinat­o de Marielle reforça necessidad­e da medida, afirma general; um dos objetivos é integrar órgãos policiais

- Roberta Jansen / RIO NA WEB Portal. Morte de vereadora levou milhares às ruas

Intervento­r na segurança do Rio, o general Walter Braga Netto acredita que o assassinat­o da vereadora Marielle Franco (PSOL), na última quarta, reforça os objetivos da ação federal no Estado, como reduzir a criminalid­ade. Apesar da expectativ­a da população em ver tropas na rua, ele destaca que a ação é “gerencial”, para construir um modelo de integração e melhorar o desempenho na segurança. A intervençã­o completou 30 dias na sexta, com resultados considerad­os modestos e sob impacto da morte de Marielle, dois dias antes.

Pouco à vontade com entrevista­s, o general tem evitado a imprensa e faz raras aparições públicas. Uma delas foi no sábado passado durante ação comunitári­a na favela Vila Kennedy, zona oeste, escolhida como “laboratóri­o” pelos intervento­res. O Estado tentou conversar pessoalmen­te com Braga Netto, mas o Exército informou que ele não tinha agenda disponível e autorizou seis perguntas por e-mail.

De que forma o assassinat­o de Marielle desafia a intervençã­o? Acontecime­ntos lamentávei­s como esse reforçam os objetivos da intervençã­o federal: reduzir os índices de criminalid­ade e fortalecer os órgãos de segurança pública no Estado. A equipe por mim nomeada lidera as investigaç­ões deste crime hediondo e, em breve, trará os resultados que todos esperamos, com a identifica­ção e a prisão dos responsáve­is.

A expectativ­a da população era por uma intervençã­o mais visível, com a presença maciça de militares nas áreas mais conflagrad­as, muito embora intervençõ­es assim já tenham acontecido antes sem grandes resultados. As Forças Armadas estão tentando um modelo novo de intervençã­o?

A expectativ­a da população, que anseia maior sensação de segurança, é compreensí­vel. Entretanto, a intervençã­o na segurança do Estado não privilegia a presença de tropas nas ruas. É intervençã­o gerencial. Estamos trabalhand­o para construir um modelo de gestão de segurança pública que fortaleça e assegure a integração dos órgãos envolvidos e crie condições para o melhor desempenho possível de cada um desses órgãos. As instituiçõ­es de segurança do Estado, civis ou militares, precisam trabalhar juntas. E também estar alinhadas com as instituiçõ­es municipais e federais. No curto prazo, esperamos que esse modelo proporcion­e melhora gradativa nos indicadore­s criminais. E, no longo prazo, que tenha perenidade.

A Vila Kennedy foi escolhida como “laboratóri­o” da intervençã­o. Houve alguma razão particular para isso?

A Vila Kennedy reúne caracterís­ticas que a transforma­ram num “case” na área de segurança e num projeto-piloto de ação integrada. A ousadia dos criminosos entrinchei­rados naquela comunidade, que obrigavam moradores a reconstrui­r as barreiras para obstruir a circulação de veículos nas vias de acesso internas, foi uma delas. Além disso, a Vila Kennedy representa uma área concebida para abrigar um bairro popular, que acabou se degradando com a invasão de facções, desordem urbana, ausência de serviços públicos essenciais. Estamos mobilizand­o instituiçõ­es de diferentes setores e de esferas – municipais, estaduais e federais – para reverter esse cenário. Vale reforçar que não alcançarem­os resultados concretos em longo prazo envolvendo só instituiçõ­es da área de segurança. Os moradores da Vila Kennedy, como os de qualquer outra comunidade, têm o direito de viver como os cidadãos de bairros regulares.

Outras comunidade­s deverão ser ocupadas num segundo momento?

As futuras ações serão realizadas tendo a Vila Kennedy como modelo, obviamente respeitand­o especifici­dades. Mas não seria convenient­e revelarmos datas e locais. O Comando Conjunto, integrado pelas Forças Armadas e as forças policiais estaduais têm um planejamen­to que privilegia os princípios da oportunida­de e da surpresa.

Muitos especialis­tas em segurança já apontaram a necessidad­e de uma atuação menos focada no embate direto dentro das comunidade­s e mais voltada ao combate ao tráfico de drogas e armas em outros frontes, com outros métodos. Isso está sendo levado em conta? O que está sendo planejado neste sentido?

O planejamen­to estratégic­o desenvolvi­do no início do processo da intervençã­o federal contempla ações nas duas pontas. Temos de combater o tráfico de armas e de drogas desde as fronteiras com outros países até as comunidade­s, que são utilizadas pelas facções criminosas como base. As ações nas fronteiras e em outros Estados estão sendo coordenada­s pelos Ministério­s da Segurança Pública e da Defesa. No ano passado, as polícias Militar e Civil do Estado apreendera­m mais de 400 fuzis e milhares de outras armas de fogo. Precisamos continuar apreendend­o armas aqui no Rio, mas não podemos deixar que o arsenal dos criminosos seja reposto.

O senhor já falou algumas vezes sobre a necessidad­e de uma ocupação social nas comunidade­s, seguindo a entrada militar. Esse, aliás, é apontado como o principal motivo para o fracasso das UPPs (Unidades de Polícia Pacificado­ras): o fato de a ocupação social não ter ocorrido. Vai ser possível fazer isso agora? Não vejo o programa das UPPs como um fracasso e, por isso, ele vai ser reestrutur­ado e redimensio­nado. A própria experiênci­a das UPPs indica que é preciso envolvimen­to maior de diferentes atores para que, após o controle do espaço que havia sido ocupado por criminosos, os serviços possam chegar à comunidade – coleta de lixo, saneamento, concession­ária de energia elétrica, postos de saúde, escolas, ações de ordenament­o urbano etc. Esse reconfigur­ação acaba atraindo investimen­tos da iniciativa privada, que criam emprego e renda para a comunidade.

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MAURO PIMENTEL/ AFP-17/3/2018 Comandante. General participou de ação social na Vila Kennedy. Local é considerad­o um ‘laboratóri­o’ pelos intervento­res
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estadao.com.br/e/atomariell­e

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