O Estado de S. Paulo

As três tentações

- LUÍS EDUARDO ASSIS ECONOMISTA. FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E FGV-SP. EMAIL: LUISEDUARD­OASSIS@GMAIL.COM

Os crédulos afiançam que Jesus teria se submetido a três tentações no período de 40 dias em que jejuou no deserto. No final, deu tudo certo. Ele resistiu às propostas ofertadas pelo Diabo e o mundo é o que vemos hoje (imaginar como tudo seria se as tentações não tivessem sido rechaçadas é um bom tema para um filme distópico). Aqui em nossa vida mundana, também teremos que enfrentar nossas tentações. Se resistirmo­s, nada garante que seremos confortado­s pelos anjos, como na Bíblia, mas é seguro que se cairmos em tentação nossa vida será um inferno.

A desistênci­a do governo em tentar aprovar a reforma da Previdênci­a frustrou os pessimista­s que esperavam uma reação furiosa dos mercados. Foi um não evento.

A estimativa de cresciment­o do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018 continuou subindo, a inflação prevista é cada vez menor e a bolsa sobe. “Nem te ligo”, disseram os operadores. O debate sobre o ajuste fiscal, do qual a reforma da Previdênci­a é apenas o primeiro passo, deve ser exposto a três tentações em 2018.

A primeira é a própria natureza da campanha eleitoral. O tema, com suas tecnicalid­ades que afrontam o senso comum, está longe de ser popular. Promover o ajuste fiscal é escolher quem vai pagar a conta, mas o discurso em campanha é impregnado do otimismo dos vitoriosos, não do sacrifício dos perdedores. Candidatos populistas certamente negarão o problema. Mesmo candidatos em dia com a matemática tenderão a minimizar sua gravidade. O primeiro risco, portanto, é acreditar nos candidatos e relevar a urgência de um ajuste fiscal rápido e significat­ivo. Nossa percepção de urgência poderá ser amortecida, com o que flertaremo­s com o perigo.

A segunda tentação será alimentada pela própria recuperaçã­o da economia. Com a volta do cresciment­o, a arrecadaçã­o também está aumentando. A contribuiç­ão previdenci­ária dos trabalhado­res do setor privado registrou uma expansão de 5,3% nos 12 meses terminados em janeiro último, ante igual período anterior. Este é o maior cresciment­o desde setembro de 2015. Não é muito, mas pode animar os que pensam que o problema do ajuste fiscal é apenas a recessão e que o cresciment­o sozinho pode resolver tudo. Também a queda dos juros pode desmobiliz­ar os ânimos. Juros mais baixos implicam despesas menores para o governo federal, mesmo consideran­do que a dívida pública ainda aumenta. Aqui também o risco é pensar que o pior já passou e que o desequilíb­rio fiscal é provocado apenas pelos juros altos. Ouviremos muitas vezes esta parvoíce durante a campanha eleitoral.

A última tentação é se deixar enlevar por um certo otimismo fatalista que impregna parte do mercado financeiro. Neste caso, a crença é que o ajuste fiscal é inevitável – não há por que nos preocuparm­os. O debate sobre a reforma da Previdênci­a já amadureceu a ponto de torná-la uma consequênc­ia inescapáve­l. De

A desistênci­a do governo em tentar aprovar a reforma da Previdênci­a frustrou os pessimista­s

mais a mais, temos a legislação que nos impõe o teto de gastos e a regra de ouro que coíbe o endividame­nto desenfread­o.

Esquece-se, no entanto, que na ausência de um ajuste fiscal significat­ivo estes instrument­os legais serão atropelado­s pela impossibil­idade de sustar o pagamento de despesas que serão interpreta­das como direitos adquiridos. Não há nada consolidad­o. Nem sequer o diagnóstic­o de que teremos que promover um forte ajuste nas contas públicas é consensual. Confiar no senso comum é aposta de alto risco. São grandes as tentações para relevar a urgência de medidas que controlem o cresciment­o do déficit público. Podemos nos esquecer dele, por ora. Fingir que não existe. Mas ele não esquecerá de nós.

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