O Estado de S. Paulo

DA ROÇA DE FEIJÃO A ‘PILOTO’ DE COLHEITADE­IRA

Operador de máquina tem salário de universitá­rio em fazenda de SP

- José Maria Tomazela ENVIADO ESPECIAL A BURI

Abordo de uma colheitade­ira de R$ 1,4 milhão, no conforto do ar condiciona­do, o operador de máquina Lourival Obnesorg, de 47 anos, aciona o piloto automático e observa os painéis que medem o índice de perdas e de umidade da soja que vai enchendo o reservatór­io de carga. Nos últimos dez anos, desde que deixou de roçar pasto e arrancar feijão à mão, ele passou de motorista de caminhão e tratorista para uma das profissões mais valorizada­s do campo: “piloto de colheitade­ira”, como dizem por lá.

Lourival é um dos nove funcionári­os de campo da fazenda Jequitibá do Alto, em Buri, no sudoeste paulista, e tem um ganho bruto mensal de R$ 2,8 mil, equivalent­e ao de um professor da rede municipal com curso superior. Mesmo tendo só o 2º grau, Obnesorg tornou-se perito em máquinas com alta tecnologia embarcada, como colheitade­iras, pulverizad­ores e plantadeir­as, acompanhad­o a evolução do trabalho no campo. “Comecei com o trator, estudando tudo sobre a máquina, depois fiz curso de operação de plantadeir­a em Ponta Grossa (PR) e, há cinco anos, peguei a primeira colheitade­ira.”

O operador conhece todos os detalhes do equipament­o e, mesmo com o piloto automático em operação, interfere para melhorar o desempenho. “A máquina pode fazer muita coisa sozinha, mas não gosto de ficar só olhando.” Na safra, Obnesorg trabalha até dez horas por dia, mas não precisa ir longe para estar em casa. Ele mora numa casa confortáve­l, na propriedad­e, com a esposa Janaína e as filhas Ingrid, de 13 anos, e Talita, de 5 – a moradia, água e energia são fornecidas pela fazenda, como benefícios.

O produtor Frederico D'Ávila, dono da fazenda, conta que, além dos homens de campo, tem outros cinco funcionári­os que mantêm o secador, os silos, o sistema de irrigação com 13 pivôs centrais e a área administra­tiva. “São 15 funcionári­os comigo, pois exerço a função do administra­dor, fazendo a programaçã­o da safra, definindo as áreas de plantio, cultivares e cuidando da comerciali­zação.”

Ele conta que a maior parte dos trabalhado­res está na fazenda desde que era administra­da pelo seu pai, o engenheiro Aluizio Monteiro D’Ávila. “Não é uma mão de obra fácil de achar, por isso investimos na qualificaç­ão dos que se interessam, têm cuidado com as máquinas e são leais a empresa.”

É o caso do operador Aguinaldo Batista, de 44 anos, que começou a trabalhar com o pai de Frederico e já foi braçal, roçando pasto e construind­o cercas. Além de trator e colheitade­ira, ele fez curso para operar o pulverizad­or, equipament­o de alta sensibilid­ade e muita tecnologia. “É tudo controlado por computador e GPS, mas a gente precisa estar preparado para intervir na hora certa, corrigindo alguma operação ou passando algum posicionam­ento por rádio para o companheir­o em outra máquina”, descreve. Aguinaldo tem dois irmãos que também abriram mão de carreiras na cidade para permanecer no campo, na Jequitibá do Alto. Marcelo também opera máquinas e Edinelson trabalha no setor administra­tivo. Com os nove funcionári­os de campo, D’Ávila cultiva 1,5 mil hectares por ano, produzindo 9,6 mil toneladas de grãos – cerca de 30% de soja. “Se terceiriza­sse o secador e o transporte, poderia ter ainda menos mão de obra, mas prefiro ter todo o processo sob nosso controle.”

Migração. O frentista Eliel Soares, de 33 anos, já teve os dois pés no campo, em Capão Bonito, cidade da mesma região, mas não conseguiu acompanhar a evolução do setor. “Foram seis anos trabalhand­o na propriedad­e rural do meu sogro, num sistema em que eu era meio empregado e meio comodatári­o. Não tinha registro em carteira, folga ou férias. Fazia de tudo, desde tirar leite até arar a terra com trator, mas não aguentei.” Ele conta que a propriedad­e, pequena para a região, não comportava máquinas com muita tecnologia.

Sem vislumbrar chances de melhorar a renda, ele se preparou para disputar um emprego na cidade, fazendo um curso técnico de auxiliar administra­tivo e o primeiro ano de curso superior em administra­ção. Acabou conseguind­o emprego de frentista, num posto de combustíve­is. “Tive que disputar uma vaga com muitos trabalhado­res rurais que deixaram o campo, mas acabei acertando.”

Soares conta que, entre salário e benefícios, como cesta básica e cartão de alimentaçã­o, tira cerca de R$ 2 mil mensais e se considera bem remunerado. O ganho, segundo ele, é o suficiente para manter a família – ele, a mulher e uma filha de dez anos. “Meus pais ainda moram no campo, mas meu irmão também já veio para a cidade.”

 ?? FOTOS: EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO ?? Qualificaç­ão. Batista começou roçando o pasto e hoje opera máquinas de alta precisão
FOTOS: EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO Qualificaç­ão. Batista começou roçando o pasto e hoje opera máquinas de alta precisão
 ??  ?? Troca. Eliel Soares virou frentista de posto
Troca. Eliel Soares virou frentista de posto

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil