O Estado de S. Paulo

‘Todos sabem o que tem de fazer. Só falta fazer’

Para o presidente da Alpargatas, parte da iniciativa privada ‘está acordando’ para a política

- Márcio Utsch

Em sua primeira entrevista desde que a Alpargatas foi comprada pela Itaúsa, a Cambuhy e Warrant, Marcio Utsch – que trabalha na empresa há 21 anos – olha o futuro do Brasil com otimismo. Tecendo vários elogios aos novos acionistas, diz acreditar que a empresa está na rota certa e que poderá crescer e muito. O País, em seu entender, também está no caminho correto – e ele pondera que a volatilida­de das regras econômicas tende a diminuir. E deixa escapar, aliás, que nestes primeiros meses do ano a empresa está crescendo “dois dígitos”.

No ano passado, o faturament­o aumentou 5,8%. “Abaixo do que esperávamo­s”. Conta que a Alpargatas criou um modelo de cresciment­o de quatro degraus. “Primeiro, ser líder local. Segundo, tornar a Alpargatas uma grande exportador­a, para conhecer melhor a dinâmica do mercado internacio­nal. Terceiro, torná-la uma companhia internacio­nal, que é o ponto onde estamos hoje. E daqui a 5 ou 10 anos, subiremos no quarto degrau: ser uma companhia... global.”

Concordand­o que é importante, cada vez mais, a iniciativa privada inteirarse da política brasileira, Utsch não apoia a ideia de o empresário ser político ou viceversa. “São talentos diferentes.” Aqui vão os principais trechos da conversa com a coluna, na semana passada.

Como você vê o Brasil hoje? A economia brasileira é bastante resiliente. Vem passando por vários desaforos e resistindo à maior parte deles. A prova é que a gente está no período da maior recessão histórica, período muito extenso de recessão, além de um PIB negativo. Essas duas coisas acontecem simultanea­mente.

Mas o ano de 2018 não dá sinais positivos?

Temos alguns indicadore­s macroeconô­micos muito bons, a Selic desabando, talvez caia mais ainda – portanto a taxa de juros como instrument­o de contenção da inflação nem necessária é mais. Inflação em queda, economia apresentan­do sinais de cresciment­o. E há esse superávit bacana agora em janeiro.

Sinal de que o consumidor recuperou a confiança?

Não exatamente, mas estamos em um processo que vai levar à recuperaçã­o da confiança. Esses dados todos levam a uma constataçã­o macroeconô­mica incrível, que se chama resiliênci­a. Imagina, com toda questão ética que a gente está passando, com toda a questão política, ainda assim a economia começou a crescer.

Como isso se explica?

A economia parece uma flor no deserto. Está tudo ruim, mas nasce. Criou-se uma certa independên­cia entre a economia de um lado, e de outro o cenário político, ético, o cenário social, onde há vários problemas. Temos uma eleição daqui a sete meses, não se sabe quem serão os candidatos, como o eleitor vai votar, e ainda assim a economia continua melhorando. A partir disso, classifico a gestão econômica do governo como um sucesso.

O Brasil tem feito movimentos de vaivém na condução econômica, vai de ortodoxa, volta heterodoxa, hoje ortodoxa novamente. Os gastos excessivos da heterodoxi­a quebraram o País. Qual a garantia de que o próximo governo não vai voltar o pêndulo? Não temos garantia de que o novo presidente não vá tirar um coelho caolho da cartola. Este talvez seja um dos maiores problemas, senão o maior, do Brasil: a volatilida­de macroeconô­mica. A gente vive um sobe-desce que não deixa planejar muito para frente. As empresas que têm investimen­to grande acabam tirando o pé do acelerador.

Tem como introduzir regras que garantam o cresciment­o?

Só acredito no cresciment­o consistent­e via investimen­to. Não há cresciment­o consistent­e por meio da distribuiç­ão de renda. Quando se cria condição para crescer por meio de investimen­tos isso gera empregos, traz a maioridade da indústria – pois ela evolui –, torna-se competitiv­a no mercado interno, no externo. Você mostra mais para o mundo, não só do ponto de vista de marcas, mas também de tecnologia.

O Brasil hoje é improdutiv­o? Bastante. Na cadeia de exportação já tivemos 40%, 42% de produtos manufatura­dos. Hoje isso caiu para 18% a 20%, indústria perdendo competitiv­idade, ficando raquítica, atrofiada, enquanto as commoditie­s agrícolas, agroindust­riais, cresceram e foram tomando o lugar dos manufatura­dos.

Existe algo que o Executivo ou o Legislativ­o poderiam fazer para diminuir a volatilida­de?

Tanto o poder público quanto o privado. No público, se você perguntar ao presidente da Câmara, do Senado, da República, todos sabem o que tem que ser feito. Falta é fazer. O que nós, da iniciativa privado, podemos fazer? Pressão popular. O político vive de votos, tem medo de não ter votos. A sociedade tem agir, seja ir pra rua, seja via rede social, pressionan­do o seu eleito. O movimento de 2013 foi importante.

O voto do eleitor brasileiro é consciente?

Está melhorando. Mas tem muita gente que vota por interesse pequeno, por uma cesta básica e tudo mais, não por conhecer o candidato. Então você tem ali um universo de 513 deputados e 81 senadores, menos de 600 pessoas, que respondem por 204 milhões de pessoas – muitas vezes eleitos de maneira consciente, outras vezes troca de favores. Talvez seja esse o maior problema da nossa volatilida­de. Porque se você perguntar se é importante a reforma da Previdênci­a, todo mundo vai dizer que é. Se perguntar se é importante um maior controle de gastos públicos, vão dizer que é. Então não há dúvida do que se tem a fazer.

Você acha que os empresário­s estão acordando para esse novo momento de participaç­ão?

Acho que sim. Ontem (terça-feira) tive café da manhã com empresário­s discutindo um pouco a política, que caminho tomar. Hoje outro empresário me convidou pra um encontro com políticos, com futuros candidatos. Pelo menos uma parte está acordando sim. Mas a gente não tem ainda uma organizaçã­o na iniciativa privada que responda ao clamor da população. Tem áreas fortes, você tem a Fiesp...

Vê algum conflito por termos um representa­nte da Fiesp candidato a governador?

Penso que um candidato a governador, a prefeito, a presidente, tendo por trás de si uma entidade que ele represente, sempre poderá haver um conflito. Na campanha e depois, na gestão. Acho que os presidente­s das entidades são pessoas preparadas, conhecem bem o Brasil, as entidades que representa­m. Mas, por outro lado, representa­m a indústria ou o comércio... E muitas vezes se faz confusão.

O poder público exige um knowhow que não é exigido da indústria?

Sim, como executivo de uma empresa de capital aberto não tenho o knowhow pra estar num cargo do Executivo ou do Legislativ­o. Quero saber se meu investimen­to terá retorno. No poder público, talvez eu tenha que fazer investimen­to em obra que não vai ter retorno financeiro, mas que é importante pra sociedade. São habilidade­s diferentes. E em geral, não complement­ares.

Porque a iniciativa privada não vem com mais força? Tenho uma percepção. Quando você tem um problema que se repete, surge uma desmotivaç­ão. Você desiste de tentar de novo. Exemplo: a gente fala tanto em corrupção, por que é que continuamo­s sendo corruptos? Desde a pequena corrupção com o guarda de trânsito, de comprar um produto pirata... Essas pequenas corrupções estão na base, as pessoas crescem achando essas coisas comuns. Aí cria-se uma justiça que demora a punir, se manda pra cadeia, o cara sai e assalta de novo. E com isso vai se criando uma resiliênci­a à ideia de que se pode mudar. Mas em alguns setores a gente quebrou esse negócio e caminhou. Veja a agricultur­a, como deslanchou.

‘ECONOMIA É UMA FLOR NO DESERTO. TUDO RUIM, MAS NASCE’

A Alpargatas quebrou também essas barreiras?

A resposta vai parecer um chavão mas não é: foi encontrar gente boa. Conseguir trazer gente que queria trabalhar, colocar nos lugares certos. E temos marcas bacanas, tem a Havaianas, que é a mais conhecida, Mizuno, Osklen, tem a Topper lá na Argentina. Tendo gente boa, o principal desafio é ter coisas consistent­es pra contar.

Vocês sentiram queda de demanda na época da delação dos acionistas da J&F? Agimos em cima do caso. Tivemos acionistas com problemas. A Camargo Corrêa, que foi o principal acionista da Alpargatas, vendeu pra J&F. Que vendeu para o consórcio Itaú. Na Alpargatas, nunca nenhum sócio me pediu algo errado. Quando começou um movimento popular de boicote (não comprem havaianas) , a gente deixou claro que a Alpargatas sempre foi de capital aberto, que existe desde 1907. A solidez da empresa é muito maior do que um solavanco d

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IARA MORSELLI / ESTADÃO
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