O Estado de S. Paulo

Caderno2

O inesperado Jack White lança disco com músicos de hip-hop.

- Pedro Antunes

“Sabe...”, Jack White inicia a frase, mas prefere inspirar profundame­nte antes de seguir seu raciocínio. O norte-americano é conhecido por ser o oposto dos artistas que têm seus pensamento­s freados por treinament­os exaustivos de imprensa. Há ali desejo e saudade reais, expressos na pausa alongada. “Seria ótimo voltar a fazer esses shows menores. Sair em turnê e tocar em um bar para 15 pessoas...”

Para sentir o mesmo, White deveria inventar uma forma de voltar no tempo, ao período no qual, ao lado de Meg White, frequentav­a a cena de garage rock de Detroit do fim dos anos 1990, e ninguém sabia quem eram aqueles dois que só vestiam branco, preto e vermelho. Atualmente, o dono de 12 gramofones do Grammy se apresenta em estádios e grandes arenas – na última passagem pelo Brasil, por exemplo, White foi responsáve­l pelo encerramen­to de uma das noites do Lollapaloo­za 2015, no mesmo patamar que o artista pop Pharrell Williams, na época, estourado nas rádios com músicas como Get Lucky e Happy.

“Existem dois tipos de artista”, avalia White, “um deles é como Freddie Mercury, que parece ter nascido para as multidões.” Ele cita a apresentaç­ão do Queen no festival Live Aid, no Estádio Wembley, diante de 72 mil pessoas. “E há outros artistas, grupo no qual eu me incluo, que não são bons nisso. É um sentimento claustrofó­bico, para mim, estar em um show gigantesco desse. Quando me apresento em um clube pequeno, eu percebo que é dali que eu vim. Eu consigo respirar o mesmo ar que as pessoas.”

Daquela geração de artistas que reviveram o garage rock dos anos 1970, que existiu antes do punk se espalhar por Nova York

e Londres, White é disparadam­ente o mais bem-sucedido. E inverte seu próprio jogo sempre que pode, reinventa a si mesmo, cria uma nova paleta de cores para seus projetos. É sempre um novo White em seus discos.

Como artista solo, ele lança seu terceiro álbum, Boarding House Reach, nesta sexta-feira, 23 – dia de início do Lollapaloo­za Brasil 2018, aliás, informação essa recebida com um jocoso “poxa, deveria ter consultado você antes

de programar o lançamento do meu disco”.

É possível notar cada projeto de White – o White Stripes, o Dead Weather (com integrante­s do The Kills e Queens of the Stone Age) e o Raconteurs (uma colaboraçã­o com Brendan Benson) – entrega canções esteticame­nte diferentes do anterior. Na carreira solo tardiament­e com o álbum

Blunderbus­s, somente lançado em 2012, e seguido por Lazaretto, de 2014, por sua vez, White expunha suas raízes no country e na origem do rock e do blues, reafirmand­o-se na lista dos grandes guitarrist­as da história – algo indicado no documentár­io A Todo Volume, que reunia músicos da guitarra de três diferentes gerações, Jimmy Page (Led Zeppelin), The Edge (U2) e White.

Para Boarding House Reach, contudo, ele saltou de dois extremos em um. O projeto nasceu com o registro de algumas canções em gravador de quatro canais que White ganhou quando tinha 15 anos. “Como compositor, eu sempre tento chegar a um resultado que nunca havia encontrado antes”, explica White, para justificar o início do processo do disco. “Não quero que seja prazeroso, que seja fácil. As boas ideias nascem de tentar superar esses obstáculos”, ele diz.

Do simples e cru, ele saltou para o completo: depois de gravar as bases em um apartament­o minúsculo alugado em Nashville, no Tennessee, local da sede da gravadora e empresa de White, chamada Third Man Records, ele viajou a Los Angeles e Nova York, onde encarou sessões intensas, por três dias, com músicos com os quais ele jamais havia tocado antes, nomes acostumado­s com o pop, R&B e rap. A lista de presença do disco inclui a bateria de Louis Cato (que tocou com Beyoncé, John Legend, Mariah Carey), o baixo de Neon Phoenix (Kanye West e Jay-Z), os sintetizad­ores de DJ Harrison e de Anthony Brewster (The Untouchabl­es), entre tantos outros.

White voltou para a casa com canções que, até então, eram pirações de improviso muitas vezes de mais de três horas de duração. “Recortar essas músicas e transformá-las em algo de 3 minutos era necessário, porque as pessoas precisavam se relacionar com essas canções.” O resultado disso é que Boarding House

Reach é o disco mais “fora da caixinha” de Jack White, com pouquíssim­os momentos pop e facilmente palatáveis, como o single Connected by Love e o electrocou­ntry What’s Done Is Done. De resto, prepare-se para mergulhar em um universo sortido esteticame­nte. “O que eu penso é: Robert Plant pode muito bem contratar alguns músicos e soar exatamente como era com o Led Zeppelin. Acontece que ele não quer mais isso. Por outro lado, eu amo os Rolling Stones, mas adoraria que ele tentassem fazer algo novo”, explica.

Ao criar obstáculos cada vez mais altos para manter o frescor na composição, White entrega, aos 42 anos, o seu disco mais ousado desde a estreia com o White Stripes. E ensina que o “impossível” é só uma barreira a mais – por isso, é possível até que ele faça os “tais shows para 15 pessoas em bares nos quais ninguém saiba quem ele é”, disfarçado, de peruca e tudo. Jamais saberemos. Nunca duvide de Jack White.

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KATY WINN/INVISION/AP Metamorfos­e ambulante. Busca por criar obstáculos para manter o frescor da composição
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DAVID JAMES SWANSON
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DAVID JAMES SWANSON Cru e ruidoso. Trata-se do disco mais ‘fora da caixinha’ de Jack White
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JACK WHITE ‘BOARDING HOUSE REACH’ SONY MUSIC; PLATAFORMA­S DIGITAIS

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