O Estado de S. Paulo

Sem casuísmos

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OPaís precisa do STF ocupado com outros temas, muito mais prioritári­os. Que os ministros da Suprema Corte deixem a lei valer também para o sr. Lula da Silva.

Crescem os rumores de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) buscam alguma estratégia para livrar o sr. Lula da Silva da cadeia. Naturalmen­te, esse tipo de boato causa apreensão na população, já que se espera justamente que o ex-presidente pague seu débito com a Justiça e a sociedade. A expectativ­a é de que o Judiciário aplique a lei, principalm­ente quando os envolvidos são famosos, desfrutam de popularida­de ou têm determinad­o sobrenome. Criar uma nova regra, mudando a interpreta­ção assente, simplesmen­te para que fulano de tal não sofra os rigores do Direito é indigno de qualquer instância do Poder Judiciário, quanto mais da Suprema Corte.

É mais que razoável, portanto, a apreensão a respeito dessas supostas tratativas para a elaboração de uma lei Luloca, que impeça a prisão após a condenação em segunda instância. É preciso aplicar a lei, como ocorreu na sexta-feira passada, com a decisão do ministro Edson Fachin de negar os novos pedidos da defesa do expresiden­te para a concessão de habeas corpus. Além disso, o ministro afirmou que não levará ao plenário o processo do petista, pois “partindo da premissa da jurisprudê­ncia consolidad­a sobre o tema, não há estribo legal para este relator suscitar a apresentaç­ão em mesa”.

Como lembrou o ministro Edson Fachin na decisão, “a questão ( do processo), pois, é fundamenta­lmente essa: no momento da impetração inicial, e mesmo agora após o aditamento, não se alterou, nesse interregno, a orientação da jurisprudê­ncia firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema da execução criminal após a sentença condenatór­ia ser confirmada à unanimidad­e por juízo colegiado de segundo grau”.

Se é essa a jurisprudê­ncia da Corte, ela deve valer para o sr. Lula da Silva e para todos os outros condenados penalmente em segunda instância. Não cabem exceções, diante do princípio da igualdade dos cidadãos num Estado Democrátic­o de Direito. A lei deve valer igualmente para todos.

Na decisão de sexta-feira, o ministro Edson Fachin lembrou que o plenário do STF manifestou-se recentemen­te em três ocasiões sobre o assunto, assentando a orientação de que é possível iniciar o cumpriment­o da pena após a condenação em segunda instância. Em 17 de fevereiro de 2016, o plenário julgou o habeas corpus 126292, de relatoria do ministro Teori Zavascki. Em 5 de outubro de 2016, a Suprema Corte voltou a se pronunciar sobre o tema, nas Ações Declaratór­ias de Constituci­onalidade (ADCs) 43 e 44. Mais adiante, em 11 de novembro de 2016, o plenário do STF julgou um recurso (ARE 964246) no qual confirmou a orientação.

Como se vê, a jurisprudê­ncia do STF sobre a prisão em segunda instância não é antiga. Não houve sequer tempo para que a posição da Suprema Corte ficasse empoeirada, necessitan­do de eventual revisão à luz de novas circunstân­cias. As circunstân­cias permanecem exatamente as mesmas de 2016. O que há de novo é simplesmen­te o fato de que o sr. Lula da Silva foi condenado em segunda instância pelo crime de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Daí decorre a gravidade dos rumores de que o STF estaria tentando mudar sua jurisprudê­ncia simplesmen­te pelos seus efeitos sobre o sr. Lula da Silva. Reforça essa percepção o fato de o ministro Celso de Mello – e não a presidente Cármen Lúcia – ter requisitad­o reunião de todos os ministros do Supremo, para hoje.

Como reconheceu a ministra Cármen Lúcia, tal casuísmo apequenari­a a Suprema Corte. Não é seu papel redigir leis. E muito menos é sua função redigir leis que favoreçam condenados pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Caso isso ocorresse, haveria uma ultrajante incongruên­cia do STF. A Corte que invalida um ato presidenci­al, plenamente legal, por considerá-lo brando com os corruptos – como se viu na decisão do ministro Luís Roberto Barroso sobre o indulto natalino do presidente Michel Temer –, seria a mesma que faz uma lei para livrar um corrupto da cadeia. O País precisa do STF ocupado com outros temas, muito mais prioritári­os. Que os ministros da Suprema Corte deixem a lei valer também para o sr. Lula da Silva.

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