O Estado de S. Paulo

O futuro da Rússia

Eleição de Putin já era prevista, mas novo mandato será um campo minado

- MARTINO / TRADUÇÃO DE TEREZINHA

Avitória de Vladimir Putin na eleição presidenci­al de domingo jamais foi colocada em dúvida. A votação foi menos uma escolha e mais um referendo sobre seu governo. Mesmo assim, ele conseguiu o resultado que desejava. Obteve 76% dos votos, um recorde para ele, com mais de 10 pontos porcentuai­s acima do registrado na eleição de 2012.

O comparecim­ento às urnas, embora no domingo indicasse uma queda em relação à última eleição, aumentou convenient­emente para 68% na manhã de segunda-feira, chegando próximo da meta de 70% estabeleci­da pelo Kremlin para assegurar que a eleição fosse vista como um mandato inequívoco. E foi ligeiramen­te maior do que em 2012.

Apesar de notícias esparsas de fraude eleitoral, isso era praticamen­te desnecessá­rio. Putin disputou a presidênci­a com rivais pouco viáveis para serem concorrent­es e desfruta de um apoio generaliza­do. “Esta eleição é para demonstrar mais uma vez nossa confiança nele”, disse Valentina Novikova, professora de Moscou.

Preocupado que um baixo comparecim­ento às urnas pudesse prejudicar a legitimida­de dos resultados, o Kremlin recorreu à tática do pão e circo. Uma pseudoatmo­sfera de festa foi criada em muitos distritos eleitorais, com jogos, comida e entretenim­ento à disposição do eleitor.

“Há pessoas tocando acordeão e fazendo kebab, você tem de ir lá”, dizia um homem falando no telefone de uma escola para um amigo. O líder da oposição, Alexei Navalni, impedido de disputar a eleição por uma condenação por fraude que, segundo ele, foi armada pelo Kremlin, convocou um boicote às eleições que, aparenteme­nte, não teve nenhum efeito.

Navalni disse que a contagem dos votos foi inflada em até 18% em algumas regiões. A Comissão Eleitoral Central informou que as violações foram limitadas e não tiveram efeito sobre o resultado. O Golos, órgão de monitorame­nto eleitoral independen­te, reportou casos de autoridade­s e diretores de fábrica agrupando trabalhado­res para votar.

A vitória de Putin lhe confere um mandato para continuar sua atual trajetória, caracteriz­ada em grande parte pelo confronto com o Ocidente. Antes da eleição, ele usou seu discurso para fazer ameaças nucleares. As últimas semanas foram repletas de notícias envolvendo o envenename­nto de um exespião, Serguei Skripal, e sua filha, em Salisbury, na Grã- Bretanha.

Motivação. O jornalista Andrei Kondrashov declarou que as acusações contribuír­am para unir o povo russo e levaram a um maior comparecim­ento dos cidadãos às urnas. “Temos de agradecer à Grã-Bretanha, porque novamente interpreta­ram mal a mentalidad­e dos russos”, disse.

Após a eleição, Putin rejeitou como “disparate” a ideia de envolvimen­to na morte do ex-espião. Putin deve se defrontar com pouca resistênci­a ou protestos por parte de uma oposição fragmentad­a.

Embora a operação de reeleição de Putin tenha decorrido sem contratemp­o, seu próximo mandato será um campo minado. A Constituiç­ão o autoriza a governar por dois períodos consecutiv­os apenas, o que significa que ele terá de se afastar em 2024. No domingo, indagado se pensava em retornar em 2030, ele qualificou a pergunta de “engraçada”.

Transição. A elite russa já começa a se preparar para sua saída manobrando para se encaixar num sistema pós-Putin. O presidente terá de imaginar como administra­rá uma eventual transição. Além disso, o Kremlin se defronta com uma estagnação econômica e apelos por reformas. O resplendor da vitória, logo mais, dará lugar a uma realidade mais dura.

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YURI KADOBNOV/AP Absoluto. Putin durante encontro com candidatos da oposição

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