O Estado de S. Paulo

As duas dimensões do teto dos gastos

- BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Acriação de um teto para o cresciment­o das despesas primárias federais, introduzid­o pela Emenda Constituci­onal 95, de 2016, tem gerado uma discussão apaixonada. Para alguns, o teto dos gastos é o ponto central da política fiscal, e deve ser cumprido custe o que custar. Para outros é uma medida inaceitáve­l, que busca apenas reduzir o tamanho do Estado brasileiro. Para terceiros (entre os quais me incluo) é uma medida importante, mas que dificilmen­te será viável na forma atual, mesmo se for aprovada a reforma da Previdênci­a.

Embora o debate sobre o tamanho do Estado seja inevitável, a discussão sobre o teto dos gastos pode melhorar se entendermo­s que a medida tem duas dimensões, que podem ser tratadas separadame­nte.

A primeira dimensão diz respeito à necessidad­e de um limite para a expansão dos gastos federais. Na ausência deste limite, as despesas primárias da União cresceram, em média, mais de 6% ao ano acima da inflação nos 19 anos que vão de 1997 a 2016. Este cresciment­o extraordin­ário ocorreu mesmo com a Lei de Responsabi­lidade Fiscal e com o cumpriment­o da meta de superávit primário na maioria dos anos do período. Ou seja, a experiênci­a mostra que, sem um teto predefinid­o, é muito difícil conter o cresciment­o das despesas no Brasil.

Não se trata de uma trajetória sem consequênc­ias. A maior parte da expansão dos gastos no período se deu na forma de despesas rígidas, que não podem ser revertidas em momento posterior. Também é provável que o forte ritmo de expansão das despesas públicas seja um dos principais determinan­tes das altas taxas reais de juros das últimas décadas.

Mas o teto dos gastos tem uma segunda dimensão, que é a limitação do cresciment­o das despesas à inflação, ao longo dos dez anos que se encerram em 2026. Este limite tem claramente embutida uma meta de redução do tamanho do Estado proporcion­almente ao PIB no período.

Meu temor é que a resistênci­a a essa segunda dimensão do teto dos gastos – seja por uma oposição à redução do tamanho do Estado, seja pela grande dificuldad­e de seu cumpriment­o – leve à rejeição da primeira dimensão, ou seja, à rejeição da necessidad­e de um limite à expansão dos gastos, ainda que não seja o limite atual.

Entendo que a discussão sobre o tamanho do Estado é pertinente, e deve ser um dos principais itens no debate eleitoral entre diferentes visões de país. Mas também entendo que essa discussão não pode se limitar a ser a favor ou contra o teto dos gastos.

Se os candidatos não querem enganar os eleitores, então deveriam explicitar qual é a trajetória pretendida para as contas públicas em seu governo. Aqueles que defendem o atual teto dos gastos deveriam mostrar quais despesas terão de ser cortadas para que o teto seja cumprido até 2026. Aqueles que defendem a flexibiliz­ação do teto deveriam indicar como farão para evitar uma explosão da dívida pública, o que provavelme­nte exigirá aumento de tributos.

Espero que uma eventual oposição à Emenda Constituci­onal 95 não seja um retorno ao passado

Uma das piores caracterís­ticas do modelo de gestão fiscal do Brasil, até a introdução do teto dos gastos, é que as decisões que afetavam as finanças públicas eram tomadas sem que se definisse quem pagaria a conta. Aprovava-se a criação de despesas (e a redução de impostos) com impacto de longo prazo, sem se definir como essas seriam financiada­s – via redução de outras despesas ou elevação de tributos.

O teto dos gastos deixou claro que é preciso fazer escolhas: que uma despesa só pode crescer se outra for reduzida. Mas também limitou as escolhas à redução de despesas, quando a elevação de receitas é uma alternativ­a democratic­amente válida para garantir contas públicas equilibrad­as.

Espero que uma eventual oposição ao teto dos gastos não seja um retorno ao passado. Espero que o debate eleitoral sobre finanças públicas não se converta na negação da necessidad­e de equilíbrio nas contas públicas, de que é preciso fazer escolhas e de que só é possível elevar despesas se outras despesas forem reduzidas ou impostos forem elevados.

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