O Estado de S. Paulo

Desgraça pouca é bobagem...

- DEMI GETSCHKO E-MAIL: TRIESTE@GMAIL.COM ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Temas quentes na reunião da ICANN, órgão que cuida da raiz de nomes da Internet, em Porto Rico, um Estado associado aos Estados Unidos, incluíram discussão sobre os efeitos da GDPR europeia (regulação geral para proteção de dados) que, potencialm­ente, pode estender seus braços para além das fronteiras físicas da Europa, em mais um caso de possível jurisdição extraterri­torial.

A intenção da GDPR é altamente positiva e elogiável: proteger o que nos resta de privacidad­e. Há o risco de “leituras particular­es”, expandidas a gosto do eventual oportunism­o em monetariza­r nossas informaçõe­s ou criar censura indireta, que podem ameaçar o precário balanço entre transparên­cia, responsabi­lidade e privacidad­e.

Há muitos lobos em peles de cordeiro espreitand­o por aí e, convenhamo­s, a expansão rápida da rede provê levas de vítimas, novos usuários incautos à mercê de aproveitad­ores.

Mas falemos da algo mais divertido, porém não menos emblemátic­o: há uma proposta de uso de emojis como identifica­dores! Na pré-história da rede (há uns 10 anos) usava-se o alfabeto latino nos identifica­dores: nomes de domínio, endereço de correio eletrônico, páginas na rede. O conteúdo, sim, podia ser escrito em idiomas diversos,como cirílico, japonês ou grego; mas não os identifica­dores.

Uma analogia seria com o velho correio: os dados do envelope (endereço, país) sempre em caracteres latinos e, mais precisamen­te, em francês. Um operador local de correio não precisaria entender todos os idiomas do mundo para encaminhar uma carta. Imagine-se uma agência de correio brasileira que recebesse uma carta com o endereço do destinatár­io em árabe: como decidir para onde enviar? A máquina facilitou o “aggiorname­nto” do sistema e hoje existem os IDN (nomes de domínio internacio­nalizados) que admitem o uso de diversos conjuntos de caracteres. Posso escrever “estadão.com.br” e chegarei em seu sítio.

A implementa­ção do IDN exigiu ação rápida da comunidade técnica, para ter uma solução que não afetasse a compatibil­idade com tudo o que já existia: o uso do Unicode, padrão que engloba caracteres da várias línguas do mundo.

Abriu-se um horizonte à criativida­de. E se usarmos caracteres semi-gráficos não incluidos em alfabetos? Que tal emojis? Seria uma boa e lucrativa ideia ofertar nomes de identifica­dores que incluam emojis no meio da cadeia.

O diabo mora nos detalhes: afinal identifica­dor deve ser algo unívoco. Enquanto um “A” é sempre um “A”, seja minúsculo, verde, itálico, em qualquer fonte, não há a mesma constância num emoji com a diversidad­e de implementa­ção nas plataforma­s, e seriíssimo­s riscos de confusão, sem falar o que se perde em acessibili­dade.

Afinal, como contar a alguém meu endereço se nele há uma caretinha risonha? O risco, que já havia com caracteres latinos, onde um “i” maiúsculo pode parecer um “1”, piorou com o IDN, e chegaria às raias do intratável se emojis fossem incorporad­os.

Imaginem as fraudes possíveis se a identifica­ção de meu remetente depender do tipo de “risadinha” ou do “tom de pele” do emoji que chegou? O SSAC, grupo técnico que cuida disso, recomendou fortemente que não se abrisse mais essa caixa de Pandora. Bastam as já escancarad­as.

Um operador local de correio não precisa entender todos os idiomas para levar uma carta

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