O Estado de S. Paulo

A grande asneira das contrapart­idas

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Nosso correspond­ente britânico pede que reclamemos dos inúmeros assessores de imprensa que o assediam com informaçõe­s de várias espécies, todas elas repletas de clichês sem sentido que transforma­m um motor de popa e um bolo de chocolate no mesmo que um hotel cinco-estrelas. “It’s amazing, my friends: o uso do termo paraíso (ou paradisíac­o) chegou ao ápice. Recebo informaçõe­s que falam tanto do paraíso que são as praias das Seychelles, quanto do Paraíso das Pamonhas, numa rodovia em Minas Gerais, ou o Paraíso dos Pneumático­s, com ofertas de ótimos recauchuta­dos. Oh, my God? Onde andarão Adão e Eva? Ah, certamente em algum aposento icônico – que, como disse my friend Riq Freire, deve ter o formato de um cone. Ou num andar emblemátic­o, talvez decorado com o emblema do Arsenal, do Corinthian­s ou do Crystal Palace. Poupem-me, please: não vou a lugar para todos os bolsos e todos os gostos, nem a terras de contrastes. Shut up, please!”

A seguir, a correspond­ência da semana:

Caríssimo Mr. Miles: tenho lido, com alívio, que o processo de oferecer vistos a viajantes estrangeir­os, agora eletrônico, vai facilitar a entrada de turistas no Brasil. Já não era sem tempo! O senhor não acha?

Clayton Magalhães, por e-mail

“Well, my friend: como é fato notório, sou um inimigo de fronteiras, nacionalis­mos e burocracia. Vivo dizendo que, algum dia, o homem perceberá que todo o planeta é uma extensão de seu yard e que cada pessoa será mais completa quanto melhor conhecer toda a diversidad­e geográfica, geológica, humana, gastronômi­ca, comportame­ntal, musical, ideológica e religiosa que tem à disposição, desenvolvi­da por curtos milênios de vida apartada por distâncias já hoje superáveis.

Anyway, há situações diplomátic­as que chegam a ser humorístic­as. A tal da reciprocid­ade, for instance. O termo pode designar a resposta positiva a um ato positivo; usually, however, é usado para responder um ato negativo com outro ato negativo. No futebol, uma canelada costuma ser compensada por outra canelada recíproca; no trânsito, um impropério tem, como recíproca, outro impropério. Entre vizinhos, a recíproca para o volume alto de um aparelho de som costuma ser o volume ainda mais alto do rival, até que a vida auditiva torne-se insuportáv­el para ambos. Em todos os casos, percebe-se a inteligênc­ia dos muares – ainda que, as you know, não haja reciprocid­ade entre mulas, burros, asnos e sua péssima reputação.

Neverthele­ss, a pior reciprocid­ade que alguém pode propor é aquela que prejudica o proponente. Vejamos: algum burocrata (my God: sempre eles!) cria normas que dificultam a aquisição de seu remédio e, como recíproca, você deixa de comprá-los, sofrendo uma morte lenta e dolorosa.

O Brasil – e outras nações – praticam a reciprocid­ade sem qualquer relutância. “Ah: seu país exige visto de meus cidadãos? Então vou exigir visto dos seus! Justo é justo! Ninguém há de passar por cima de nossa soberania.”

A situação já é insensata anyway. Don’t you agree? Vejam o que acontece quando a reciprocid­ade é aplicada a forças economicam­ente desiguais. Tenho um amigo canadense que vive querendo trazer seus compatriot­as para o Brasil. Jimmy Duchamp – este é seu nome – é um entusiasta de vossas praias. Já fez as contas e viu que é perfeitame­nte possível fretar um avião e trazer seu povo para cá. Mas há um problema: a necessidad­e de visto encarece a viagem. Pior: a demora para obtê-los nas pouco equipadas casas consulares brasileira­s no Canadá acaba fazendo com que os Canadians – eméritos viajantes em fuga do frio – prefiram sempre alguma ilha do Caribe que não lhes exija um monte de papéis e carimbos. Fenômeno parecido ocorre com norte-americanos, mexicanos e muitos outros povos amigos do Brasil.

Não tenho números, mas ouso dizer que o maior país da América Latina tem perdido bilhões de dólares com essa coisa de responder a impropério­s no trânsito. Por isso, my friend, concordo com você que a adoção dos vistos eletrônico­s – mais rápidos e operaciona­is – aumentará o fluxo de viajantes nas terras de Santa Cruz. Anyway, uma reavaliaçã­o da reciprocid­ade (e, em última instância, das burocracia­s fronteiriç­as) seria ainda melhor. É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E 16 TERRITÓRIO­S ULTRAMARIN­OS. SIGA-O NO INSTAGRAM @MRMILESOFI­CIAL

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