O Estado de S. Paulo

Mobilidade

- ADRIANA MOREIRA

Há dois anos, rompi o ligamento do tornozelo. Fui pegar o metrô de muletas e o elevador estava em manutenção. Depois de descer a escadaria (não senti segurança em pular na escada rolante), entrei no vagão – ninguém me ofereceu lugar. Por sorte, foram apenas 20 dias de movimentos reduzidos, mas há quem conviva com os desafios da mobilidade diariament­e. E como fica essa questão durante as viagens?

Michele Simões, de 35 anos, é cadeirante há 11, mas isso não a impede de viajar. Autora do site Meu Corpo é Real, em que fala sobre moda inclusiva, e do Guia do Viajante Cadeirante, ela conta que sua primeira viagem usando cadeira de rodas, em Buenos Aires, não foi legal. Mas a experiênci­a negativa a ensinou a viajar melhor. “Normalment­e, os hotéis dizem que são adaptados, mas não é bem assim”, conta. Por isso, ela sempre pede fotos dos quartos, do banheiro – se o chuveiro for dentro da banheira, nem pensar. Saber a altura da cama também é importante, já que isso significa ter a liberdade de subir e descer sem precisar de ajuda.

Os voos, segundo ela, não são um problema. “Quando você avisa na reserva que é cadeirante, há sempre alguém para acompanhar até a aeronave, depois no desembarqu­e”, diz. “Mas tem que avisar na reserva.”

Depois da Argentina, Michele fez intercâmbi­o em Boston, o que deu confiança a ela para ir sozinha ao Canadá. “Fiz amizade com uma brasileira e acabei ficando um mês a mais”, conta. Ela adorou Toronto, mas em Montreal o metrô era muito antigo e não totalmente adaptado. “Mas lá tem o Paratransi­t, um transporte adaptado que me levou para todo lugar pagando a mesma tarifa do ônibus”, lembra. “É só reservar.”

Quando conversamo­s, no ano passado, Michele tinha acabado de voltar de Santiago. Ela até esquiou em Valle Nevado, mas as coisas não foram exatamente fáceis na estação de esqui. “Não pesquisei, como faço normalment­e. Os deslocamen­tos foram horríveis, a van não era adaptada”, conta. Ainda assim, ela amou a experiênci­a de esquiar: foi numa espécie de trenó, e um guia ajudava a conduzir.

Luiz Thadeu Nunes e Silva, de 58 anos, sofreu um acidente e passou quatro anos recluso. Depois que tirou o aparelho que usava nas pernas e pôde começar a se locomover com a ajuda de muletas, o maranhense caiu na estrada e não parou mais. Ao todo, ele já visitou 121 países no seu projeto Volta ao Mundo de Muletas. “Minha meta é chegar aos 150”, diz ele. Se cuida, Mr. Miles!

Sempre de bom humor, Nunes explica que, apesar de conviver com a dor, viajar é algo que lhe dá forças. “Não falo inglês, mas aprendi a me virar com meu inglês rudimentar”, diz. “Digo que tenho três deficiênci­as: a física, de língua e de bolso.”

Segundo explica, o filho o ajuda muito na organizaçã­o– e juntos pesquisam os roteiros de viagem. “Só saio com um bom seguro-viagem, transfer do aeroporto e me hospedo sempre próximo aos principais pontos turísticos.” Como toma muitos remédios, ele diz que dá atenção especial às receitas, que devem ser traduzidas.

Apesar de caminhar com a ajuda de muletas, Nunes também pede cadeira de rodas quando reserva a passagem aérea. “As distâncias são longas, o processo no aeroporto é muito cansativo, e com a cadeira fica bem melhor”, conta.

Com tantos países no seu currículo de viajante, Nunes elege seus lugares favoritos usando o critério da mobilidade. “Os países nórdicos são os melhores”, diz, embora acredite que o melhor de todos seja o Japão. No Cairo (Egito), as dificuldad­es foram grandes. “Ali tem poucos semáforos. Para atravessar a rua, tinha que me agarrar a alguém.”

Para Nunes, o Brasil ainda precisa melhorar muito. “A Bolívia, por exemplo, é muito mais adaptada do que São Luís (MA), onde vivo. Quero começar uma campanha”, diz.

A dica principal de Nunes para quem quer seguir seu exemplo é pesquisar. “A internet ajuda muito. Há 20 anos eu não conseguiri­a fazer essas viagens.”

DICA •••

Peça cadeira de rodas na reserva da passagem

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