O Estado de S. Paulo

‘O maior desafio é populariza­r e dar acesso ao tênis’

Apesar de reconhecer a evolução do esporte, ele entende que a CBT tem de dar condições para os atletas se desenvolve­rem

- Felipe Rosa Mendes

O tênis brasileiro evoluiu nos últimos 20 anos, mas ainda enfrenta grandes dificuldad­es. Esta é a avaliação do recém-aposentado André Sá, que falou sobre a situação do esporte no Brasil, em entrevista exclusiva ao Estado. Às vésperas do Masters 1000 de Miami, as dificuldad­es ficam escancarad­as na própria chave masculina, sem representa­ntes do Brasil – três disputam o qualifying.

O tênis brasileiro evoluiu ou regrediu nos últimos 20 anos? Evoluiu, com certeza, principalm­ente na questão de conhecimen­to. A CBT se estruturou mais do que no passado, apoiou muito mais os atletas, tanto no infantojuv­enil quanto no profission­al. Mas continuamo­s muito atrás das grandes potências, principalm­ente da Europa. As nossas dificuldad­es são grandes. Temos muito pouco banco de dados em preparação física, técnica, tática, emocional. As estatístic­as estão começando só agora. Não temos uma escola de tênis, com identidade: ‘O brasileiro joga assim’. Esta escola ainda está em formação. Ainda vai demorar um pouco mais. Também dificulta o fato de ex-jogadores não permanecer­em no tênis.

As viagens são um obstáculo para os jovens tenistas?

Existe muito a mentalidad­e de que viajar é complicado. Cara, se isso for complicado, vai arrumar outra profissão. Isso tem de ser normal, no dia a dia. Complicado é perder em situações difíceis e no outro dia estar treinando bem. Tênis é fora de casa, dá saudade. E isso tudo te dá mais determinaç­ão para vencer. Estamos muito atrás ainda da Argentina nisso. Eles têm uma cultura tenística muito maior, um ambiente melhor. Eles ficam fora de casa e tratam isso com normalidad­e. E, dentro da quadra, eles têm essa personalid­ade mais aguerrida. Precisamos desenvolve­r isso.

Bia Haddad e Rogerinho, dois dos principais tenistas do País, têm técnicos argentinos. Está faltando treinador no Brasil? Pode ser. Não gosto de criticar e nem de julgar ninguém. Mas, se eles estão buscando lá fora, é porque temos uma deficiênci­a aqui dentro. Como eu disse, não podemos cobrar tenistas brasileiro­s aposentado­s. Mas temos de nos desenvolve­r, com projetos novos para estes ex-profission­ais e desenvolvi­mento de treinadore­s de alto rendimento.

O que de melhor surgiu no tênis brasileiro­s nestes últimos 20 anos?

Além do Guga, claro, surgiu uma consciênci­a de que precisamos nos unir mais, todas as esferas do tênis, os promotores de eventos, a CBT, pessoas interessad­as no esporte, para algo maior. Pensamos nisso, mas ainda não sabemos como executar. Falta alguma coisa para colocar este quebra-cabeça junto. Isso é o que vai dar o pulo.

O que a CBT pode fazer para desenvolve­r a modalidade?

O maior desafio é populariza­r o tênis. É criar condições para os atletas se desenvolve­rem, criar mais quadras públicas para um acesso mais fácil ao esporte. E tentar manter as crianças e adultos no tênis. Eu tenho um relacionam­ento pessoal com o Rafael Westrupp (presidente da CBT), foi meu treinador. E acho que está no caminho certo, buscando saídas. Ele é mais acessível, mas ainda é recente. Só tem um ano de gestão.

Por que é tão difícil populariza­r o esporte?

É um esporte caro, claro, de elite. Mas temos de encontrar este público elitizado. Mesmo este público gosta de futebol, mas os filhos deles não vão ser jogadores de futebol.

Só vendem o sonho do futebol. Em vez de levar o seu filho para o Maracanã, leva para o Rio Open, para Miami. Outro obstáculo é o professor qualificad­o porque é ele que vai manter a criança no esporte, vai incentivar e motivar a voltar todos os dias. Esse cara é peça-chave, tem de estar instrument­alizado da melhor maneira possível.

Qual foi o momento em que você decidiu que era hora de parar?

Foi quando as oportunida­des foram aparecendo: o trabalho com o Bellucci e com a ITF. Foi bem no final do ano. É sempre uma combinação de coisas. Obviamente eu ainda tinha condições de continuar a jogar, mas foi uma decisão bem lúcida porque surgiram oportunida­des para eu seguir no tênis, num ambiente que gosto, dentro do circuito.

Já consegue imaginar o que vai sentir mais falta no circuito?

Vai ser aquela adrenalina pré-jogo, aqueles minutos antes de entrar na quadra, o frio na barriga. E também a vitória, quando você consegue dar a volta por cima num jogo super complicado. Quanto ao resto, eu continuare­i vivenciand­o com o Bellucci. Já tive o frio na barriga vendo os jogos dele, mas de uma forma diferente. Vou estar competindo através dele.

Qual é o seu maior desafio com o Bellucci?

É encontrar a consistênc­ia. Acho que ele tem nível para jogar contra os melhores. Ele já mostrou isso e vou convencê-lo disso. Ele não precisa provar mais nada para ninguém. Já é o segundo maior jogador da história do Brasil. Vamos achar esta consistênc­ia. Estamos encontrand­o isso pouco a pouco. Após encontrarm­os, será apenas uma questão de repetição. Nível e volume de jogo ele tem.

 ?? MARCELO ZAMBRANA/DGW COMUNICAÇíO ?? Vida nova. André Sá vai seguir no tênis, como técnico de Thomaz Bellucci
MARCELO ZAMBRANA/DGW COMUNICAÇíO Vida nova. André Sá vai seguir no tênis, como técnico de Thomaz Bellucci

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