‘O maior desafio é popularizar e dar acesso ao tênis’
Apesar de reconhecer a evolução do esporte, ele entende que a CBT tem de dar condições para os atletas se desenvolverem
O tênis brasileiro evoluiu nos últimos 20 anos, mas ainda enfrenta grandes dificuldades. Esta é a avaliação do recém-aposentado André Sá, que falou sobre a situação do esporte no Brasil, em entrevista exclusiva ao Estado. Às vésperas do Masters 1000 de Miami, as dificuldades ficam escancaradas na própria chave masculina, sem representantes do Brasil – três disputam o qualifying.
O tênis brasileiro evoluiu ou regrediu nos últimos 20 anos? Evoluiu, com certeza, principalmente na questão de conhecimento. A CBT se estruturou mais do que no passado, apoiou muito mais os atletas, tanto no infantojuvenil quanto no profissional. Mas continuamos muito atrás das grandes potências, principalmente da Europa. As nossas dificuldades são grandes. Temos muito pouco banco de dados em preparação física, técnica, tática, emocional. As estatísticas estão começando só agora. Não temos uma escola de tênis, com identidade: ‘O brasileiro joga assim’. Esta escola ainda está em formação. Ainda vai demorar um pouco mais. Também dificulta o fato de ex-jogadores não permanecerem no tênis.
As viagens são um obstáculo para os jovens tenistas?
Existe muito a mentalidade de que viajar é complicado. Cara, se isso for complicado, vai arrumar outra profissão. Isso tem de ser normal, no dia a dia. Complicado é perder em situações difíceis e no outro dia estar treinando bem. Tênis é fora de casa, dá saudade. E isso tudo te dá mais determinação para vencer. Estamos muito atrás ainda da Argentina nisso. Eles têm uma cultura tenística muito maior, um ambiente melhor. Eles ficam fora de casa e tratam isso com normalidade. E, dentro da quadra, eles têm essa personalidade mais aguerrida. Precisamos desenvolver isso.
Bia Haddad e Rogerinho, dois dos principais tenistas do País, têm técnicos argentinos. Está faltando treinador no Brasil? Pode ser. Não gosto de criticar e nem de julgar ninguém. Mas, se eles estão buscando lá fora, é porque temos uma deficiência aqui dentro. Como eu disse, não podemos cobrar tenistas brasileiros aposentados. Mas temos de nos desenvolver, com projetos novos para estes ex-profissionais e desenvolvimento de treinadores de alto rendimento.
O que de melhor surgiu no tênis brasileiros nestes últimos 20 anos?
Além do Guga, claro, surgiu uma consciência de que precisamos nos unir mais, todas as esferas do tênis, os promotores de eventos, a CBT, pessoas interessadas no esporte, para algo maior. Pensamos nisso, mas ainda não sabemos como executar. Falta alguma coisa para colocar este quebra-cabeça junto. Isso é o que vai dar o pulo.
O que a CBT pode fazer para desenvolver a modalidade?
O maior desafio é popularizar o tênis. É criar condições para os atletas se desenvolverem, criar mais quadras públicas para um acesso mais fácil ao esporte. E tentar manter as crianças e adultos no tênis. Eu tenho um relacionamento pessoal com o Rafael Westrupp (presidente da CBT), foi meu treinador. E acho que está no caminho certo, buscando saídas. Ele é mais acessível, mas ainda é recente. Só tem um ano de gestão.
Por que é tão difícil popularizar o esporte?
É um esporte caro, claro, de elite. Mas temos de encontrar este público elitizado. Mesmo este público gosta de futebol, mas os filhos deles não vão ser jogadores de futebol.
Só vendem o sonho do futebol. Em vez de levar o seu filho para o Maracanã, leva para o Rio Open, para Miami. Outro obstáculo é o professor qualificado porque é ele que vai manter a criança no esporte, vai incentivar e motivar a voltar todos os dias. Esse cara é peça-chave, tem de estar instrumentalizado da melhor maneira possível.
Qual foi o momento em que você decidiu que era hora de parar?
Foi quando as oportunidades foram aparecendo: o trabalho com o Bellucci e com a ITF. Foi bem no final do ano. É sempre uma combinação de coisas. Obviamente eu ainda tinha condições de continuar a jogar, mas foi uma decisão bem lúcida porque surgiram oportunidades para eu seguir no tênis, num ambiente que gosto, dentro do circuito.
Já consegue imaginar o que vai sentir mais falta no circuito?
Vai ser aquela adrenalina pré-jogo, aqueles minutos antes de entrar na quadra, o frio na barriga. E também a vitória, quando você consegue dar a volta por cima num jogo super complicado. Quanto ao resto, eu continuarei vivenciando com o Bellucci. Já tive o frio na barriga vendo os jogos dele, mas de uma forma diferente. Vou estar competindo através dele.
Qual é o seu maior desafio com o Bellucci?
É encontrar a consistência. Acho que ele tem nível para jogar contra os melhores. Ele já mostrou isso e vou convencê-lo disso. Ele não precisa provar mais nada para ninguém. Já é o segundo maior jogador da história do Brasil. Vamos achar esta consistência. Estamos encontrando isso pouco a pouco. Após encontrarmos, será apenas uma questão de repetição. Nível e volume de jogo ele tem.