O Estado de S. Paulo

De novo, uma CPI para nada

-

A CPI do BNDES no Senado foi concluída sem nenhum pedido de indiciamen­to.

AComissão Parlamenta­r de Inquérito (CPI) aberta no Senado em agosto de 2017 para “investigar irregulari­dades nos empréstimo­s concedidos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) no âmbito do programa de globalizaç­ão das companhias nacionais”, conforme dizem seus documentos oficiais, foi concluída sem nenhum pedido de indiciamen­to.

O relatório final dos trabalhos limita-se a fazer algumas sugestões para melhorar a transparên­cia das operações do banco de fomento e propõe a criação de uma comissão interna no BNDES para apurar irregulari­dades. É muito pouco diante do estardalha­ço que cercou a criação da CPI, mas nada surpreende­nte, pois em geral essas comissões têm servido muito mais para fazer barulho, com fins estritamen­te políticos, do que para produzir resultados que interessem ao País.

Recorde-se que o Senado criou a CPI do BNDES como resposta à delação dos donos do Grupo J&F, os irmãos Joesley e Wesley Batista, que acusavam o presidente Michel Temer e vários outros políticos de corrupção. O J&F, que inclui o frigorífic­o JBS, foi um dos maiores beneficiad­os pela política de expansão de empresas chamadas de “campeãs nacionais” durante os governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Essa expansão se deu em grande medida por meio de farto financiame­nto do BNDES, jamais bem explicado nem justificad­o, pois as referidas empresas poderiam perfeitame­nte ter obtido recursos no mercado.

A CPI tinha, portanto, muito o que investigar. O BNDES passou boa parte do mandarinat­o petista a distribuir crédito aos borbotões para um punhado de empresário­s escolhidos a dedo por Lula da Silva. Não por acaso, esse clube de afortunado­s se tornou o poderoso sustentácu­lo financeiro das campanhas eleitorais petistas.

A CPI do BNDES no Senado tinha como missão específica verificar a lisura dos empréstimo­s concedidos para financiame­nto de projetos da J&F e de outras “campeãs nacionais” no exterior. Esse era um dos aspectos mais obscuros da política de fomento do banco, pois não somente favoreceu empresas com base em critérios nunca suficiente­mente esclarecid­os, como também destinou recursos públicos para países sem nenhuma credibilid­ade no mercado, mas com enorme afinidade ideológica com o governo petista, como Cuba e Venezuela. E a conta dessa óbvia irresponsa­bilidade não para de crescer: o BNDES acaba de anunciar que a Venezuela não honrou uma parcela de US$ 130,9 milhões de um desses empréstimo­s esquisitos.

Havia, portanto, farto material para entreter os senadores empenhados em abrir a caixapreta do BNDES. No entanto, a exemplo do que já havia acontecido com outra CPI do BNDES, esta na Câmara, aberta em agosto de 2015 e encerrada em fevereiro de 2016, não se produziu nada que justificas­se o esforço e o barulho.

A comissão do Senado sugeriu o encaminham­ento de um projeto de lei que imponha limites à aquisição de ativos no exterior e estabeleça regras de maior transparên­cia. Outro projeto de lei mencionado no texto suspende o sigilo bancário de operações do BNDES, embora a própria direção do banco já tenha anunciado que dará mais publicidad­e às informaçõe­s sobre financiame­ntos no exterior.

A CPI ainda insistiu que é preciso adotar, como padrão de conduta, a divulgação dos objetivos dos projetos financiado­s. Segundo o relatório da comissão, nem esta CPI nem a anterior, da Câmara, conseguira­m identifica­r “nem mesmo quais eram as metas específica­s atribuídas ao BNDES (um dos principais agentes de planos de alavancage­m do cresciment­o, como, por exemplo, o Plano Brasil Maior), muito menos quais os benefícios ou externalid­ades desejados”.

Se há algo a extrair de mais uma CPI que dá em nada é que, de novo, se manifestou a incapacida­de (ou o desinteres­se) do Congresso de expor ao País – e de desmontar – um dos tantos arranjos que perpetuam a apropriaçã­o patrimonia­lista dos recursos escassos que deveriam ser usados para o bem de todos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil