O Estado de S. Paulo

Caderno2 Elizabeth Strout

Elizabeth Strout fala de ‘Olive Kitteridge’, que levou o Pulitzer de ficção.

- Ubiratan Brasil

Autora fala de Olive Kitteridge, que levou o Pulitzer.

Com um conjunto de 13 histórias curtas, reunidas no volume Olive Kitteridge, a americana Elizabeth Strout ganhou o prêmio Pulitzer de ficção de 2009. O júri se encantou com o pungente retrato dos habitantes de Crosby, pequena comunidade fictícia do Estado do Maine, que a autora descreve com uma prosa polida. No centro, Olive, professora de matemática aposentada, cuja vida reflete a da sociedade: a passagem da maturidade à velhice, as agruras e os pequenos e grandes dramas que a cercam, as decepções públicas e os desejos privados. Uma mulher fascinante justamente por causa de suas falhas – afinal, é tão inconscien­te em sua tirania quanto em sua bondade.

Oliver nem sempre percebe como mudam as pessoas ao seu redor: um músico de salão assombrado por um antigo romance; um ex-aluno que perdeu a vontade de viver; Christophe­r, seu filho, que se sente sufocado pelas sensibilid­ades irracionai­s dela; e, finalmente, Harry, seu marido, ciente de que a lealdade dele ao casamento é, ao mesmo tempo, uma bênção e uma maldição. Sobre o assunto, Elizabeth respondeu por e-mail às seguintes questões.

Ao que parece, a senhora ouve, olha e observa tudo. Por que considera importante escrever sobre vidas comuns? E por que gosta de escrever sobre relações de classe?

De fato, observo tudo muito de perto, e sempre o fiz. Escrevo sobre pessoas comuns porque, na maior parte, somos todos comuns. Há vidas formadas por pequenas coisas que lhes dão contorno, e também as grandes. Com exceção da realeza ou dos extremamen­te ricos, somos todos comuns. E escrevo sobre relações de classe porque, quando reflito sobre pessoas, elas estão todas em classes diferentes – este é o resultado natural do meu trabalho. Existem relações de classe entre as pessoas comuns e essas pessoas são meus personagen­s.

Hoje, as mulheres lutam por seus direitos na sociedade. A senhora algum dia sentiu que seu trabalho era recebido de uma maneira diferente por ser mulher?

Não tenho nenhuma maneira de saber se meu trabalho é bem recebido ou não pelo fato de ser mulher. É verdade que as escritoras deparam com mais obstáculos que os ho- mens, mas jamais me preocupei com essas coisas. Sou mulher e escritora e, para mim, escrever é a minha prioridade. Faço o melhor que posso e não me preocupo.

Em Olive Kitteriddg­e, o pai de Olive cometeu suicídio. A mãe de seu marido sofria de depressão. Sua vizinha se matou. Olive impede que o filho dessa vizinha se suicide também. O filho de Olive é depressivo. Ao que parece, a senhora sabe o que é depressão. Se escrevo sobre a experiênci­a humana honestamen­te, tenho de incluir a depressão. E também o amor, a alegria e os momentos de graça para pessoas que menos esperam isso. A de- pressão é somente uma emoção. Escrevo sobre ela e sobre muitas outras emoções também.

E quanto ao tema dos pais que se separam dos filhos – uma família cujos membros, num certo grau, a senhora tem certeza de que devem se amar, mas não conseguem expressar esse amor. Por que isso é tão imperioso para a senhora?

Família é algo importante para mim como escritora porque todos nós temos uma, estejamos separados dela ou não. E a relação entre mãe e filho é a mais crucial de todas. Para um escritor de ficção, esse é um tesouro de coisas maravilhos­as a examinar. Todos nós temos uma mãe e todos nós vimos de um ambiente de algum tipo. Portanto, para escrever sobre personagen­s, necessito me aprofundar no ambiente vivido por eles, ver parte das coisas que os moldaram e os tornaram o que são.

Olive Kitteridge foi adaptado para uma minissérie pela HBO que leva o mesmo título, estrelada por Frances McDormand. Acredito que ela tem o “physique du role” para esse papel. A senhora gostou da série?

Gostei imensament­e da produção da HBO. Frances McDormand, Richard Jenkins e Bill Murray fizeram um trabalho fantástico. Todo o elenco estava maravilhos­o.

A senhora acredita que escritores têm uma obrigação moral para com seus personagen­s e seus leitores?

Não entendo bem o que você quer dizer com obrigação moral. Acredito que, na condição de romancista, devo ser o mais honesta possível sobre a condição humana, escrever sobre ela sem nenhuma intenção particular da minha parte. Minha tarefa é escrever com o coração aberto, sem nenhum julgamento a respeito dos meus personagen­s, mas simplesmen­te informar quem são eles e o que fazemos aqui na terra, e isto da maneira mais honesta possível.

A senhora se dá diferentes permissões quando escreve suas histórias?

Essa questão tem relação com a pergunta acima. Eu me dou permissão para escrever a verdade, e para excluir o julgamento. Eu me dou permissão para narrar uma história da melhor maneira possível, de modo que seja recebida por um leitor que instintiva­mente compreende o que é verdade, e um leitor que vai necessitar do que escrevi.

Escrevo sobre pessoas comuns porque, na maior parte da sociedade, somos todos comuns”

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LEONARDO CENDAMO/REUTERS A autora. Livro traz 13 contos com dramas pungentes
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HBO Série. Frances McDormand e Richard Jenkins na versão da HBO
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OLIVE KITTERIDGE Autora: Elizabeth Strout Tradução: Sara Grünhagen Editora: Companhia das Letras (336 págs., R$ 54,90)

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