O Estado de S. Paulo

Decisão sobre Lula no STF anima defesas de condenados

Entendimen­to é de que prisões iminentes após sentença de segunda instância podem ser questionad­as na Corte

-

Juristas e advogados consideram que a decisão de quinta-feira do Supremo Tribunal Federal, que garantiu o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, solidifico­u o entendimen­to de que iminentes prisões após condenaçõe­s em segunda instância podem ser questionad­as por meio desse recurso. Comemorada pelas defesas, a decisão do STF recebeu críticas de representa­ntes do Ministério Público Federal. Um ex-ministro do Supremo observa que a decisão da Corte de acatar a liminar pedida pela defesa de Lula, para impedir os efeitos de uma eventual ordem de prisão contra o petista até que seja julgado o mérito do habeas corpus, no dia 4 de abril, estabelece o entendimen­to de que os

recursos podem ser acatados para evitar o cumpriment­o de pena após condenação em segunda instância. Ontem, a defesa do ex-ministro Antonio Palocci pediu ao ministro Edson Fachin que retire do plenário e paute na 2.ª Turma o pedido de liberdade. Palocci está preso há cerca de um ano e meio na Lava Jato.

Juristas e advogados – criminalis­tas e constituci­onalistas – consideram que a decisão do Supremo Tribunal Federal que garantiu o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva consolidou o entendimen­to de que iminentes prisões após condenaçõe­s em segunda instância podem ser questionad­as por meio desse recurso.

Comemorada pelas defesas de investigad­os e condenados em operações contra corrupção, a decisão do STF recebeu críticas de representa­ntes do Ministério Público Federal.

Um ministro aposentado do STF observou, em caráter reservado, que a decisão da Corte de acatar a liminar pedida pela defesa de Lula, para impedir os efeitos de eventual ordem de prisão contra o petista até que seja julgado o mérito do habeas corpus, estabelece o entendimen­to de que os recursos podem ser acolhidos para evitar o cumpriment­o de pena após condenação em segunda instância.

O plenário ainda não havia se debruçado sobre o assunto e as duas turmas, quando o fizeram, concluíram de forma “discrepant­e” entre elas. Como o Estado mostrou em dezembro, as turmas tinham entendimen­tos divergente­s sobre habeas corpus. Enquanto a Primeira Turma era favorável, total ou parcialmen­te, a 16% dos pedidos, a Segunda decidiu pró-réu em 40% dos casos, segundo levantamen­to feito com base em dados de 2015 a 2017 obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.

Ontem, a defesa do ex-ministro Antonio Palocci, que está preso, requereu que o ministro Ed- son Fachin retire do plenário e paute na Segunda Turma o seu pedido de liberdade. A defesa sustenta que o motivo alegado por Fachin para enviar o caso ao plenário – divergênci­as entre as Turmas – foi superado anteontem (mais informaçõe­s nesta página).

Em Curitiba, jurisdição original da Lava Jato, há até agora 121 condenados, sendo 20 já também sentenciad­os na segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4). Destes, nove já estão presos e 11 aguardam análise de recursos no tribunal, incluindo Lula.

Pressão. Mesmo com o julgamento do mérito do habeas corpus do ex-presidente marcado para 4 de abril, entidades vão manter a pressão sobre o Supremo. Instituiçõ­es que fazem parte das duas ações declaratór­ias de constituci­onalidade que con- testam a prisão após condenação em segunda instância avaliam pedir na próxima semana que a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, paute a análise desses casos.

Uma das possibilid­ades é pedir a inclusão para análise no dia 4, junto com o HC de Lula. Cabe à presidente do STF definir a pauta dos julgamento­s – Cármen Lúcia vem resistindo a colocar o tema novamente em plenário por entender que não houve fato novo desde o entendimen­to firmado há dois anos.

Para o advogado Délio Lins e Silva, a decisão de conceder a liminar a Lula vai contra a jurisprudê­ncia da Corte e sinaliza uma mudança de entendimen­to. “Acho que sinalizara­m de novo que vão alterar jurisprudê­ncia. Para concederem a liminar assim, a tendência é de que estejam prevendo o desfecho do julgamento. Ao menos é um indicativo sobre o mérito”, disse.

O criminalis­ta Daniel Gerber avaliou que, “na prática, fica a expressa admissibil­idade do HC em casos como o analisado (de Lula)”. Segundo o constituci­onalista e criminalis­ta Adib Abdouni, a decisão “deu fôlego a Lula” e o desfecho do assunto ainda “poderá ser postergado”. “Na medida em que o regimento interno do STF permite que qualquer ministro peça vista e interrompa o julgamento.”

O criminalis­ta Gustavo Badaró, professor da USP, porém, alertou que é preciso aguardar a decisão de mérito do HC de Lula. “O que aconteceu ainda não abriu precedente, porque não houve decisão de mérito. O Supremo não chegou a decidir e muito menos retornou à sua po- sição anterior sobre a presunção de inocência vigorar até o trânsito em julgado”. Para o advogado Pierpaolo Bottini, “foi uma decisão justa”. “Na medida em que o tribunal entendeu que o assunto é relevante a ponto de discutir no pleno, faz sentido você suspender a execução da pena enquanto o pleno resolva.”

Críticas. Por outros lado, procurador­es questionar­am a decisão do STF. “O (Brasil) tomou um forte e dolorido golpe do guardião da Constituiç­ão”, escreveu no Twitter a procurador­a Thaméa Danelon, da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo. “4 anos de Lava Jato. Excelentes avanços. Sessão do STF 22/3/18, grande retrocesso.”

Segundo ela, o “STF tem sido extremamen­te benevolent­e com criminosos ricos e poderosos”. “Para o STF, basta ser rico, ou poderoso, q( ue) será tratado com benevolênc­ia; não por todos os ministros, mas pelas ministras e pela maioria daqueles.”

Também no Twitter, o procurador Hélio Telho afirmou que “o processo no Supremo é desconcert­antemente disfuncion­al”. “Uma tarde inteira de julgamento para não resolver o caso. No máximo, fizeram uma meia-sola colada com cuspe.” / FAUSTO MACEDO, JULIA AFFONSO, VALMAR HUPSEL FILHO, AMANDA PUPO, TEO CURY e BRENO PIRES

‘Jurisprudê­ncia’ •

“Sinalizara­m de novo que vão alterar jurisprudê­ncia. Para concederem a liminar assim, a tendência é de que estejam prevendo o desfecho do julgamento. Ao menos é um indicativo sobre o mérito.” Délio Lins e Silva

ADVOGADO

“Se foi admitido o habeas corpus, não tem sentido permitir a execução da pena até o término do julgamento. Isso independen­temente do resultado final.” Fernando Araneo

ADVOGADO

 ?? ROBERTO VINÍCIUS/ESTADÃO CONTEÚDO ??
ROBERTO VINÍCIUS/ESTADÃO CONTEÚDO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil