A trégua belicosa de Trump
Opresidente dos Estados Unidos, Donald Trump, avança na execução do plano de submeter o comércio internacional às ordens da Casa Branca.
Armado com sua truculência e com a força econômica de seu país, o presidente Donald Trump avança na execução do plano de submeter o comércio internacional às ordens da Casa Branca. A primeira etapa foi declarar o estado de guerra, com a imposição de tarifas a importações de aço e de alumínio. A segunda é marcada por duas ações simultâneas: concentrar a artilharia na China, escolhida como grande inimigo, e isentar das barreiras, mas só temporariamente, alguns parceiros – Brasil, Argentina, União Europeia, Austrália e Coreia do Sul. Já haviam sido excluídos Canadá e México, membros da zona de livre comércio da América do Norte. A suspensão provisória das barreiras, longe de ser um benefício ou um sinal de paz, é condicionada ao início de negociações. É uma proposta de conversação feita com uma arma apontada para o interlocutor.
Alguns podem ter achado muito animador esse convite à negociação. No caso do Brasil, autoridades e empresários falam até sobre a possibilidade de encerrar o caso sem contrapartida e sem danos, com apoio de empresas dos Estados Unidos. Afinal, essas empresas compram do Brasil produto semiacabado para usá-lo como insumo em sua atividade.
Não há, portanto, competição, mas complementaridade entre exportadores e importadores. O argumento pode ser verdadeiro, mas será julgado segundo os critérios dominantes na Casa Branca e vinculados às conveniências do nacionalpopulismo de Trump.
Os demais parceiros liberados temporariamente das barreiras estão, de modo geral, na mesma situa- ção do Brasil. A trégua é condicionada, em todos os casos, a conversações impostas por um ato de força, sem base em qualquer consideração de direito compatível com normas multilaterais. O argumento de segurança nacional usado por Trump nem chega a ser paródia de uma regra da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Mas ele mesmo parece esquecer essa justificativa ao anunciar barreiras a importações de até US$ 60 bilhões anuais de produtos da China. Ele acusa os chineses de comércio desleal e, especialmente, de se apropriar injustamente de tecnologia americana. A acusação envolve, entre outros detalhes, a transferência supostamente forçada de conhecimentos pelas companhias investidoras no mercado chinês.
No meio da confusão, falta explicar se essas empresas investem na China para atender a seus interes- ses ou se, ao contrário, são forçadas a investir na segunda maior economia do mundo e, assim, submetidas a condições leoninas. Mas nada disso parece fazer diferença para o grande senhor da guerra comercial.
O governo da China ameaça retaliar. Se isso ocorrer, o estado de guerra declarado em Washington poderá converter-se em conflito aberto. O confronto será mais amplo se a União Europeia decidir também responder ao ataque inicial, em vez de negociar sob coação. Importantes fluxos comerciais serão desviados e é muito difícil prever como ficarão os mercados.
Especialistas tentam avaliar os ganhos possíveis para o Brasil, se exportações brasileiras puderem substituir, pelo menos parcialmente, vendas americanas e chinesas. Mas desvios de comércio poderão também afetar seriamente quem se mantiver neutro na guerra.
Todos, participantes e neutros, poderão ser prejudicados em pouco tempo em caso de conflito aberto. Quem negociar com o governo Trump e conseguir converter a trégua bilateral em armistício também estará sujeito a danos. As perdas serão mais amplas, no médio e no longo prazos, se a ordem multilateral, como é muito provável, for devastada ou severamente enfraquecida. Nem a maior e mais poderosa economia, a americana, sairá ilesa e em condição duradoura de preeminência.
Por enquanto, o fanfarrão Donald Trump dita o jogo. O mais sensato, dirão alguns empresários e autoridades, é negociar, buscar apoio dos importadores americanos e tentar liquidar o assunto sem alongar a encrenca. Mas nada justifica esse otimismo. Se a ordem multilateral for seriamente comprometida, a encrenca será a nova normalidade.