O Estado de S. Paulo

Jabuti não sobe em árvore

- Latin American Investment Forum (Laif), Valor.

Projeto que trata da liberação dos jogos de azar está prestes a se tornar um “jabuti” pelas mãos do ministro do Turismo.

No jargão político, “jabuti” é o nome que se dá a uma emenda parlamenta­r com o objetivo de inserir em um projeto de lei uma medida diversa da proposta original. Trata-se, portanto, de uma artimanha para fazer tramitar sem alarde matérias em geral controvert­idas ou impopulare­s. O termo vem de um dito segundo o qual “jabuti não sobe em árvore, se está lá é porque alguém o colocou”.

Rejeitado pela Comissão de Constituiç­ão, Justiça e de Cidadania (CCJ) do Senado por 13 votos contrários e apenas 2 favoráveis, no início deste mês, o Projeto de Lei (PLS) 186/2014, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que trata da liberação dos jogos de azar no Brasil, está prestes a se tornar um “jabuti” pelas mãos do ministro Marx Beltrão, do Turismo.

Não é de hoje que o ministro apoia a legalizaçã­o da jogatina. Em novembro de 2016, durante o seminário

em Londres, Marx Beltrão já havia defendido o projeto para um grupo de investidor­es. “O Ministério do Turismo vê com muito bons olhos a legalizaçã­o dos cassinos, como já existem em vários lugares do mundo”, disse o ministro, um dia após o projeto de lei ter sido aprovado pelos integrante­s da Comissão Especial do Desenvolvi­mento Nacional, também no Senado.

Em face do recente revés na CCJ do Senado, o ministro do Turismo agora planeja erguer seu “jabuti” na Câmara dos Deputados incluindo um artigo no Projeto de Lei (PL) 2.724/2015, conforme noticiou o jornal Este projeto, de autoria do deputado Carlos Eduardo Cadoca (PCdoB-PE), trata do aumento da participaç­ão do capital estrangeir­o com direito a voto nas companhias de transporte aéreo. Não tem, como se vê, nada a ver com a liberação dos cassinos e a exploração de caça-níqueis e mesas de carteado.

O relator do PL 2.724/2015, deputado Paulo Azi (DEMBA), justifica o estratagem­a alegando que “o projeto trata de vários pontos relacionad­os ao turismo”. Segundo ele, os cassinos, caso sejam autorizado­s, seriam instalados nos chamados “resorts integrados”, grandes empreendim­entos turísticos que seriam liberados “em número limitado”.

Como se nada mais urgente e importante estivesse sobre a mesa de trabalho do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) pautou para a sessão de terça-feira passada um requerimen­to de urgência para levar o projeto de lei à votação pelo plenário da Casa. Se aprovado o pedido de urgência, o projeto fica livre de passar pelo crivo de outras comissões legislativ­as. Toda a articulaçã­o para a tramitação do PL 2.724/2015 e a velocidade com que ela se dá têm as digitais de Marx Beltrão, que pretende ver as medidas aprova- das antes de deixar o Ministério do Turismo, em abril.

Assim como já foi rejeitado o PLS 186/2014, o “jabuti” no PL 2.724/2015 também deve ser. Como já foi defendido nesta página (ver editorial Fim de jo

go, publicado em 12/3/2018), qualquer iniciativa com o fim de liberar a jogatina no País deve ser combatida. Nenhum bem ela há de fazer à Nação, já envolta com toda a sorte de mazelas que desafiam os Três Poderes da República na busca por soluções.

Há muitas medidas que podem ser adotadas pelo Ministério do Turismo a fim de estimular o afluxo de turistas e capitais para o País, gerando mais receitas e mais empregos. Um grande esforço de cooperação interminis­terial, por exemplo, com foco na solução dos conhecidos problemas na infraestru­tura de transporte aéreo, marítimo e rodoviário; capacitaçã­o das equipes de recepção aos turistas de todos os órgãos da Administra­ção Pública nos postos de entrada no País; acordos bilaterais com outras nações a fim de facilitar a concessão de vistos mútuos; ações no campo da segurança pública, entre outras.

Nada de bom, repita-se, há de vir da liberação da jogatina no Brasil. A insistênci­a com que certos grupos de pressão tentam fazer passar a nefasta medida só não se assemelha ao vício do jogo porque pode ser fruto de interesses sobre os quais há absoluto controle das ações em sua defesa.

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