O Estado de S. Paulo

Bolton é um perigo

EDITORIAL PUBLICADO ONTEM

- TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO /

Oponto positivo de John Bolton, novo assessor de Segurança Nacional de Donald Trump, é que ele diz o que pensa. O negativo é o que ele pensa. São poucas as pessoas com mais possibilid­ades de levar o país a uma guerra do que Bolton. Sua escolha é tão alarmante quanto certas indicações feitas por Trump, que está cedendo a seus piores instintos nacionalis­tas.

Bolton acha que os EUA podem fazer o que quiserem, sem consideraç­ão com tratados ou compromiss­os anteriores. Ele defendeu um ataque à Coreia do Norte para neutraliza­r suas armas nucleares que poderiam causar uma guerra terrível e a morte de milhares de pessoas. Ele não só quer abolir o acordo com o Irã como defende um bombardeio ao país.

Durante os 30 anos em que serviu três presidente­s republican­os, Bolton sempre manifestou desprezo pela diplomacia e pelo controle armamentis­ta. Ninguém trabalhou mais do que ele para implodir o acordo de 1994, que suspendeu o programa de plutônio da Coreia do Norte. O colapso desse acordo contribuiu para a crise atual.

Ninguém defendeu tanto a invasão do Iraque quanto Bolton, posição que nunca abandonou. Na época, ele afirmou que os iraquianos acolheriam bem as tropas americanas, que o trabalho do Exército acabaria rapidament­e e os iraquianos desfrutari­am da liberdade sem Saddam Hussein. Bolton substituir­á H. R. McMaster, general que vinha alertando contra o abandono do acordo com o Irã sem um plano a seguir. Esta foi uma das várias divergênci­as que ele teve com o presidente.

Ao contrário do general, ele já mantinha uma boa relação com Trump, tendo se reunido com ele diversas vezes, além de ser comentaris­ta da Fox News. Bolton fez campanha para assumir o cargo, mesmo depois de Trump tê-lo rejeitado para essa posição e como secretário de Estado, em parte porque não gostava do seu bigode – (Trump realmente disse isso).

A função de Bolton será assegurar que o presidente ouça opiniões de todos no governo. Mas é difícil imaginá-lo como um mediador honesto. Ele atraiu tantas críticas que não foi confirmado como embaixador na ONU, em 2005, e George W. Bush teve de nomeá-lo durante recesso do Senado. É improvável que ele fosse aceito agora como secretário de Estado, mas, como assessor de Segurança Nacional, não precisa de confirmaçã­o.

Trazer Bolton para o governo é uma decisão terrível. Apesar de Trump ter ameaçado os norte-coreanos, ele aceitou se reunir com Kim Jong-un. Bolton, porém, já disse que o diálogo é inútil e é “legítimo” atacar a Coreia do Norte. No caso do Irã, Bolton e o presidente estão sintonizad­os e defendem que os EUA se retirem do acordo nuclear.

A posição de Bolton sobre a Rússia, de que a Otan tem de dar uma resposta firme ao envenename­nto de um ex-espião russo, é melhor do que a de Trump. Mas a rejeição da solução de dois Estados para o conflito entre Israel e palestinos é inaceitáve­l para alguém do alto escalão do governo. Bolton vai acelerar o isolamento dos EUA. O Congresso talvez não consiga evitar sua nomeação, mas deve retomar sua responsabi­lidade constituci­onal de dar permissão para o país entrar em guerra.

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JOSHUA ROBERTS / REUTERS Linha-dura. Bolton em discurso

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