Diárias viram ‘auxílio-moradia’ na USP e Unesp
Ensino superior. Universidades gastaram R$ 2,3 milhões no ano passado com indenizações de deslocamento para 69 servidores lotados em câmpus no interior, mas que trabalham de maneira fixa na capital; especialistas em contas públicas contestam pagamento
USP e Unesp gastaram R$ 2,3 milhões em diárias pagas a servidores de alto escalão em 2017. Os valores, que servem para bancar deslocamentos temporários, foram usados como “auxílio-moradia” por funcionários lotados em uma cidade que trabalham em outra. Universidades dizem seguir norma.
Servidores de alto escalão da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) utilizam diárias pagas pelas instituições para bancar estadias fixas na capital. O benefício, que serve para custear deslocamentos temporários, é usado na prática como uma espécie de auxílio-moradia para servidores do interior que desempenham cargos em São Paulo. Especialistas em finanças públicas consideram esse tipo de pagamento irregular. Já as universidades dizem seguir a legislação.
Entre os beneficiados pelo pagamento dessas diárias estão o ex-reitor da USP Marco Antonio Zago, que deixou o cargo em janeiro, e o atual vice-reitor, Antonio Carlos Hernandes. Na Unesp, a lista tem o atual reitor, Sandro Valentini, e seu vice, Sérgio Nobre. Em geral, a verba é paga a funcionários que têm cargos concursados em câmpus do interior, mas exercem no dia a dia trabalhos de gestão ou de assessoria na capital.
Nas universidades estaduais paulistas não é previsto auxíliomoradia. No caso da diária, o pagamento mais comum é para funcionários que atuam temporariamente fora de sua cidade de origem, participando de palestras ou congressos, por exemplo. Para receber a diária, o profissional não precisa apresentar notas fiscais ou comprovantes – só relatórios de viagem.
O Estado analisou os dados de pagamento de todas as diárias pagas pela USP e pela Unesp em 2017 e identificou que pelo menos 69 servidores – quase todos ligados às reitorias – receberam um total de R$ 2,3 milhões para exercer seus cargos em São Paulo. A média é de R$ 36,5 mil por servidor durante o ano. A maior parte (R$ 1,8 milhão) foi paga pela Unesp. Desde 2014, as universidades enfrentam grave crise financeira e têm feito cortes de gastos.
As legislações internas das instituições não fixam o número máximo de diárias que podem ser pedidas por um mesmo servidor. Resolução da USP 3502, de 1989, diz que os servidores, “quando designados para desempenhar missões ou tarefas oficiais, em local diverso da sede de trabalho, receberão diárias”. O Departamento de Finanças da USP informou ao Estado seguir decreto estadual que regulamenta esse tipo de pagamento a servidores públicos. O texto veta diárias a funcionários transferidos e quando o deslocamento “constituir exigência permanente do cargo ou função”.
Em relatórios de viagens analisados pelo Estado há apenas descrições como “viagem para exercer as funções do cargo” ou “participação em palestra”, sem qualquer tipo de detalhamento. Já portaria da Unesp 569, de 2013, afirma que a diária é para o “servidor que se deslocar temporariamente da respectiva sede, no desempenho de suas atribuições, em missão ou estudo”, mas sem especificar, na prática, se “temporariamente” se refere a deslocamentos curtos ou o cumprimento de mandato de quatro anos, como o do reitor e outros cargos de direção. Críticas. A prática é contestada pela procuradora Élida Graziane Pinto, do Ministério Público de Contas (MPC) do Estado, um dos órgãos responsáveis por fiscalizar as universidades paulistas. Questionada pelo Estado, ela disse que pretende instaurar procedimento investigatório sobre o caso. “Se o servidor aceitou ocupar cargo em comissão ou função de confiança que lhe reclama mudança de domicílio, não é cabível o manejo de diárias, a pretexto de ressarcimento pelas despesas com o seu deslocamento cotidiano. Se mantém residência em outro lugar, quaisquer custos dessa sua escolha devem ser suportados privadamente por ele”, afirma.
Para a economista Selena Nunes, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das autoras do projeto da Lei de Responsabilidade Fiscal, as diárias devem ser usadas só para atividades eventuais, mas não para exercer cargo fixo em determinado local. “Se o servidor vai fazer uma palestra, por exemplo, recebe a diária. Qualquer coisa diferente disso é burla. Como a diária é indenizatória, não se paga imposto de renda sobre isso e tem caráter diferenciado de um salário. E também não entra no cálculo de despesa da Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz.
A elevação do teto salarial é uma antiga reivindicação de professores das estaduais paulistas. Esse valor hoje é R$ 22,3 mil, remuneração do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Já os docentes das federais têm limite maior, de R$ 30,4 mil.