O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

A Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) chega à maioridade maltratada e precocemen­te envelhecid­a.

ALei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) comemora 18 anos. Certamente um dos maiores avanços institucio­nais que tivemos naquele início dos anos 2000, ela chega à maioridade maltratada e precocemen­te envelhecid­a.

A lei foi aprovada na esteira da renegociaç­ão das dívidas dos Estados e municípios que, em meados dos anos 90, estavam quebrados e tiveram no governo federal o seu socorro. Para evitar que o episódio se repetisse, aprovou-se a LC101/2000 que dispõe sobre limites de endividame­nto e de comprometi­mento de receitas com despesas de pessoal, além de outras regras que visam a preservar o equilíbrio fiscal dos entes subnaciona­is e da União.

A LRF funcionou por algum tempo. Em boa parte, por dar instrument­os ao Tesouro Nacional para controlar o endividame­nto dos Estados e municípios, maior causa do colapso de então. De outra parte, por definir limites de comprometi­mento de receita que deveriam evitar o cresciment­o indiscrimi­nado da folha. Na prática, contudo, as duas coisas caíram por terra em menos de 20 anos.

O controle do endividame­nto foi ignorado pela Nova Matriz Econômica. Abusando da prerrogati­va de criar exceções à regra, entre 2011 e 2014, secretário do Tesouro e ministro da Fazenda abriram os cofres da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES para Estados e municípios sem capacidade de pagamento. A crença era de que a receita futura criaria as condições que não existiam. Como todo o resto que foi feito sob essa hipótese, a consequênc­ia foi o colapso.

Em paralelo, as despesas de pessoal cresceram de forma contínua. Burlados por uma contabilid­ade que trata despesa de pessoal como gasto de custeio, os limites de comprometi­mento da receita foram rompidos num jogo de faz de conta. Hoje não são poucos os Estados que gastam mais de 70% de suas receitas com a folha.

Não à toa, Minas Gerais agoniza tanto quanto o Rio de Janeiro, nosso maior exemplo de destruição fiscal, e outros seguem o mesmo caminho. Ao rasgarmos a LRF, criamos espaço para a falta de transparên­cia que turva a situação fiscal dos entes subnaciona­is e dá condições para que o pleito seja sempre o de mais recursos da União, em vez do necessário ajuste estrutural.

A revisão da LRF é fundamenta­l para mudarmos esse quadro. Os conceitos de despesa de pessoal precisam ser atualizado­s, dando clareza aos números e restabelec­endo os instrument­os de correção – alguns deles obstruídos por ações de inconstitu­cionalidad­e cujo mérito espera julgamento pelo STF há quase duas décadas. Além disso, há que se estabelece­r limites e penalidade­s aos maus gestores, e para todos os poderes.

Mas temos de reconhecer que há exemplos que mostram que nem tudo está perdido. Temos Espírito Santo e Alagoas, cujas contas (corretas) mostram a retomada da responsabi­lidade fiscal como base da boa gestão, ou São Paulo, que durante tantos anos manteve uma disciplina fiscal que sempre fez com que receita e despesa conversass­em. E há o Ceará, que apresenta uma consistênc­ia na gestão fiscal de fazer inveja a vários dos primos ricos. Com uma gestão transforma­dora nos anos 90, o Estado liderado por Tasso Jereissati, então governador, colocou em prática a ideia da responsabi­lidade fiscal antes mesmo de a LRF existir. O equilíbrio, conquistad­o a duras penas, foi mantido pelas administra­ções subsequent­es e vigora até hoje. Vencida essa agenda, o Ceará discute hoje Planejamen­to de Longo Prazo e Reforma do Estado, visando ganhos de produtivid­ade e melhora nos serviços públicos. O Ceará mira 2050 na busca de soluções estruturai­s para seus enormes problemas sociais, como criminalid­ade, pobreza e elevado desemprego entre jovens.

Responsabi­lidade fiscal definitiva­mente não é escolha partidária. Mas a decisão entre mirar 30 anos à frente para construir o futuro ou 20 anos atrás em franco retrocesso é sim escolha de gestão pública. Se a LRF não tivesse se tornado letra morta, essa opção dependeria menos de bons gestores e possivelme­nte estaríamos todos discutindo como chegar melhor em 2050.

Entre 2011 e 2014, Tesouro e Fazenda abriram os cofres para Estados e municípios

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