O Estado de S. Paulo

A imagem do STF

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Oque importa para a opinião pública não requer investimen­tos em lentes potentes. Basta que os ministros se atenham ao papel de guardiães da Constituiç­ão.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) andam preocupado­s com a qualidade da imagem. Para decepção da sociedade, não se trata da imagem institucio­nal da Corte, que tem feito o que pode – e, principalm­ente, o que não pode – para deixar boquiabert­os os que creem ser aquele colegiado a última trincheira na defesa de sua própria jurisprudê­ncia e dos primados inscritos na Constituiç­ão, sendo a igualdade de todos perante a lei um dos mais nobres deles.

A TV Justiça, administra­da pela Secretaria de Comunicaçã­o Social do STF, com auxílio de um conselho consultivo, pretende gastar R$ 2,9 milhões este ano para trocar os atuais equipament­os de captação e transmissã­o de imagens. O valor será usado para a compra de cinco câmeras de alta definição, lentes, monitores de vídeo e sistemas de operação remota por meio de robótica. O objetivo da TV Justiça é transmitir as sessões plenárias da Suprema Corte, television­adas ao vivo no programa Direto do Plenário, com imagens em full HD a partir de agosto.

No ano passado, o STF pagou R$ 1,7 milhão pela compra de um novo switcher de vídeo que permite a operação remota das câmeras instaladas no plenário. Como não há a presença de cinegrafis­tas durante as sessões de julgamento, as câmeras são operadas a partir de uma sala de controle. As novas câmeras em alta definição que a Corte pretende adquirir este ano são compatívei­s com este equipament­o comprado em 2017.

Por mais inexpressi­vo que possa parecer um gasto de R$ 4,6 milhões em face do Orçamento da União, é importante ressaltar que o País atravessa um momento de recuperaçã­o econômica que impõe a reavaliaçã­o ou mesmo o corte de uma série de gastos públicos. Além disso, convém lembrar que o Poder Judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo. De acordo com os dados mais atualizado­s, seus gastos totais em 2016 somaram cerca de R$ 85 bilhões, o que equivalia a 1,4% do Produto Interno Bruto naquele ano.

Cabe questionar a pertinênci­a de um investimen­to para a modernizaç­ão tecnológic­a das imagens geradas a partir do plenário do STF quando, na verdade, o que a sociedade brasileira espera é o imediato reparo das interferên­cias de natureza política e moral que turvam a imagem que os cidadãos têm da Corte e de alguns de seus ministros.

É bom que se diga que a TV Justiça, criada pela Lei n.º 10.461/2002, poderia ser um importante instrument­o da democracia brasileira por dar transparên­cia aos atos do STF, atos estes que, não raro, produzem efeitos sobre a vida de milhões de cidadãos. Em que pesem as críticas daqueles que veem na transmissã­o das sessões da Corte um fator de influência negativa no comportame­nto dos ministros em plenário – por contribuir para a produção de votos mais longos, o que significa maior tempo de exposição para aqueles que os proferem, ou por supostamen­te ensejar influência­s externas sobre as decisões –, o fato de a sociedade poder acompanhar debates que podem determinar mudanças significat­ivas no rumo de suas vidas ou a discussão de questões altamente relevantes para a definição dos rumos do País deve ser visto como um diferencia­l positivo. São raros os países que permitem a transmissã­o das sessões de julgamento nas altas instâncias do Poder Judiciário.

É por meio da publicidad­e das sessões plenárias do STF que a sociedade pode ver que ministros muitas vezes agem para legislar e governar a Nação sem que para tal tenham recebido um voto sequer. Não têm sido raros os casos em que o STF toma para si atribuiçõe­s que não lhe são dadas pela Constituiç­ão. Não pode haver pior desgaste de imagem do que este.

Bastante turvada por uma escalada de grosseiras trocas de insultos e, o que é ainda mais grave, pelo despudor com que alguns dos ministros sujeitam a Carta Magna e o interesse público às suas agendas particular­es, a imagem do STF cujo resgate verdadeira­mente importa para a opinião pública não requer investimen­tos em lentes altamente potentes. Basta que os ministros se atenham ao papel que lhes é dado, o de guardiães da Constituiç­ão.

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