O Estado de S. Paulo

As saúvas, a política e o corporativ­ismo

- NATHAN BLANCHE SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORI­A INTEGRADA

Como venho alertando desde o ano passado, o caminho que trilham as contas públicas do Brasil é muito perigoso. O risco de os gastos federais romperem o teto constituci­onal, principalm­ente a partir de 2019, alimenta as suspeitas de descontrol­e das despesas públicas e a retomada da discussão sobre a solvência fiscal do País.

O fracasso da reforma da Previdênci­a foi o tiro de misericórd­ia do Congresso Nacional, pois ela é condição necessária, ainda que insuficien­te, para evitar a ruptura das normas constituci­onais já a partir do ano que vem. Em 2016, ano anterior à vigência do teto dos gastos, as despesas previdenci­árias do Regime Geral representa­vam 41% do Orçamento da União, tendo subido para 44% em 2017, o primeiro ano de vigência do teto. Sem uma dura reforma da Previdênci­a essa tendência crescente deve fazer com que esses gastos superem pouco mais da metade do Orçamento entre 2021 e 2022.

O cresciment­o explosivo dos dispêndios da Previdênci­a tem sido o maior responsáve­l pelo aumento do déficit da Seguridade Social, que em 2017 atingiu 4,4% do produto interno bruto (PIB) – R$ 292,4 bilhões –, ante um déficit de 4,1% do PIB em 2016, apresentan­do, portanto, piora, mesmo com o PIB tendo crescido 1% no ano passado.

Nesse período, as despesas discricion­árias, que incluem o custeio dos serviços públicos (excluindo pessoal) e os investimen­tos em capital, foram reduzidas de 22,7% para 19,7% das despesas totais do governo. Na ausência da reforma da Previdênci­a e sendo a única variável de ajuste, essas despesas sofrerão cortes sucessivos para sustentar o teto do gasto, encolhendo para 13% em 2022 (supondo queda real anual de 10% desse gasto). A retração dos investimen­tos públicos teve impacto decisivo para a queda da formação bruta de capital fixo, que sofreu retração da ordem de 30% no período de 2014 a 2017.

Infelizmen­te, há sinais de que políticos e assessores de possíveis presidenci­áveis estudam formas de driblar os mandamento­s fiscais, com a possível flexibiliz­ação da regra de ouro e do teto do gasto, o que seria uma forma de proteger o próximo presidente de eventual crime de responsabi­lidade. Um eventual afrouxamen­to das amarras fiscais presentes na Constituiç­ão, especialme­nte antes de reformas essenciais, deve elevar a percepção de risco dos agentes com relação à questão fiscal, ameaçando a consolidaç­ão do ciclo de expansão econômica.

A era das escolhas fáceis ficou para trás. Ou o Brasil acaba com a “saúva” ou a “saúva” acaba com o Brasil. A classe política deve incorporar de uma vez por todas o conceito econômico de restrição orçamentár­ia e sinalizar para a sociedade brasileira que os recursos são escassos e devem ser, portanto, alvo de escolhas alocativas. Cada real gasto com a Previdênci­a, por exemplo, significar­á menos real gasto em educação, saúde e segurança ou em infraestru­tura. Cabe à política intermedia­r essa disputa por recursos. A responsabi­lidade fiscal deve ser, portanto, um valor de toda a sociedade, independen­temente de ideologias ou de preferênci­as alocativas.

Daí a importânci­a de se mobilizar o apoio dos mais variados segmentos à continuida­de da atual agenda reformista, desde classes representa­tivas dos trabalhado­res e empresário­s até demais organizaçõ­es da sociedade civil e impressa. A economia política brasileira no pós-Constituiç­ão de 1988 gerou um desequilíb­rio perverso para o desenvolvi­mento sustentáve­l. A crescente demanda pela presença do Estado nas mais diversas searas resultou em aumento do endividame­nto público e da carga tributária. Essas duas saídas não têm viabilidad­e no futuro.

O risco fiscal latente, em conjunto com a falta de legitimida­de da classe política para exigir maior esforço da sociedade para fechar as contas, aponta para a necessidad­e de eleger prioridade­s.

A solução para a crise fiscal não se encontra apenas no plano econômico. Na verdade, a restauraçã­o da normalidad­e democrátic­a e a recuperaçã­o da legitimida­de da classe política são essenciais para o debate em torno das prioridade­s da sociedade brasileira no futuro.

A “bagunça” no âmbito institucio­nal, resultado do desentendi­mento entre os Poderes Executivo, Legislativ­o e Judiciário, a corrupção sistêmica e a tentativa do funcionali­smo público e do Judiciário de frear mudanças para manutenção de seus privilégio­s e interesses corporativ­os resultam na total falta de credibilid­ade, perante a sociedade, não somente do Congresso Nacional, mas também da capacidade das lideranças políticas de fazerem uma boa gestão dos recursos públicos. Em meio a esse complicado cenário socioeconô­mico temos as eleições presidenci­ais e legislativ­as deste ano.

É imperativo o surgimento de uma coalizão político-partidária que apresente um programa de governo baseado em diagnóstic­o que combine reformas econômicas necessária­s para garantir não apenas o cresciment­o econômico sustentáve­l, mas o aumento da eficiência do Estado na provisão de serviços públicos essenciais para uma sociedade civilizada.

A eventual eleição de populistas de esquerda ou de direita deve ter um custo econômico muito elevado. Não se trata de escolher o novo messias, mas de criar mecanismos para superar a herança maldita de 13 anos de poder dos ditos socialista­s populistas da América latina.

A calmaria com a economia brasileira pode ser pontual. Se o caminho da política econômica responsáve­l e a agenda de reformas forem abandonado­s, o País voltará a trilhar o caminho da bancarrota, da estagnação e da inflação, com elevados custos sociais.

O jogo presidenci­al é o divisor de águas. Uma escolha equivocada deixará um legado amargo por muito tempo. Que a sociedade, formadores de opinião e líderes políticos estejam à altura dos desafios impostos por esse momento-chave da História brasileira.

Eventual afrouxamen­to das amarras fiscais na Constituiç­ão é ameaça à expansão econômica

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