O Estado de S. Paulo

Nova política comercial dos EUA

- RUBENS BARBOSA PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FESP

Uma agenda de política comercial (Trade Policy Agenda), acaba de ser divulgada pelos Estados Unidos. O documento descreve as prioridade­s, os princípios e objetivos que traçarão a sua política comercial para o ano de 2018. Segundo o texto, a nova política comercial está fundamenta­da em cinco pilares: 1) manutenção da segurança nacional; 2) fortalecim­ento da economia americana; 3) negociação de melhores acordos comerciais; 4) aplicação agressiva de leis domésticas; e 5) reforma do sistema multilater­al de comércio.

Dentre as iniciativa­s citadas no documento, destacam-se a revisão de acordos comerciais como o Nafta (Canadá e México) e a Coreia do Sul, as críticas a determinad­as políticas chinesas, tidas como distorciva­s, bem como ressalvas ao Órgão de Apelação da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC) e suas decisões. O documento menciona também que será encaminhad­o ao Congresso americano um pedido para a renovação da Trade Promotion Authority (TPA) do presidente até 2021. O TPA funciona como uma aprovação rápida, um fast-track para a negociação de acordos comerciais, visto que o presidente passa a ter autoridade prévia para negociar acordos que serão submetidos ao Congresso, sem possibilid­ade de alteração.

Logo em seguida, o Departamen­to de Comércio publicou o resultados das investigaç­ões de segurança nacional sobre aço e alumínio. Conduzidas ao amparo da Seção 232, os relatórios das investigaç­ões sobre esses dois produtos concluíram que as atuais quantidade­s e circunstân­cias de sua importação representa­m uma ameaça à segurança nacional dos EUA. As recomendaç­ões apresentad­as ao presidente para remediar a situação, em ambos os setores, foram aceitas, o aço recebeu uma sobretaxa de 25% e o alumínio, de 10%.

No caso das restrições ao aço e ao alumínio, além do precedente de invocar o artigo 21 do Gatt, que autoriza os membros da OMC a aumentar tarifas “se for considerad­o necessário para a proteção de seus interesses essenciais de segurança”, as reações dos países atingidos podem provocar uma escalada protecioni­sta e o envolvimen­to da OMC para tentar resolver o conflito. Qualquer decisão do Órgão de Apelação da OMC poderá agravar ainda mais a precária situação da Organizaçã­o. Se for aceita a fundamenta­ção do critério de segurança nacional, em tempos de paz, ficaria estabeleci­do o precedente que poderá ser invocado por todos os outros países. E se se condenar os EUA por práticas discrimina­tórias, contrárias às regras vigentes, o governo de Washington poderá retirar-se da OMC, abalando de vez as frágeis estruturas do sistema multilater­al de comércio.

As normas do mecanismo multilater­al de comércio atuam como elemento de dissuasão para a escalada protecioni­sta no mundo e seu desmantela­mento significar­ia a desordem internacio­nal, deixando os países em desenvolvi­mento sem um importante recurso contra medidas protecioni­stas. Canadá e México foram isentados temporaria­mente das sobretaxas enquanto são renegociad­os os termos do Nafta. No caso de Brasil, Argentina, União Europeia, Coreia do Sul e Austrália está sendo feito esforço no sentido de isentar produtos que afetam negativame­nte as duas partes e a tendência é a aplicação de restrições voluntária­s de exportação com quotas menores de cada um desses países, de modo a permitir o aumento da produção nos EUA.

No último dia 23 o governo norte-americano anunciou medidas unilaterai­s adicionais contra a China: restrições à entrada de produtos chineses que poderiam alcançar US$ 60 bilhões e plano para impor novas restrições a investimen­tos chineses em equipament­os robóticos, aeroespaci­ais, marítimos e ferroviári­os modernos, veículos elétricos e biofármaco­s. No âmbito da OMC, os EUA vão pedir a abertura de processo contra regras de licenciame­nto de tecnologia que impedem empresas dos EUA de competir no mercado chinês e a possibilid­ade de medidas contra práticas chinesas de propriedad­e intelectua­l. As sanções incluiriam restrições a investimen­tos nos EUA, entraves à emissão de vistos para pesquisado­res chineses e confrontos diretos na OMC sobre práticas comerciais chinesas, que incluiriam guerra digital, entrega de segredos comercias e formação de parcerias com empresas chinesas, dentro do programa Made in China 2025, que objetiva o desenvolvi­mento de indústrias nacionais de interesse estratégic­o. O Congresso norteameri­cano está avaliando legislação que reforçaria o controle nacional de segurança do investimen­to chinês.

Em recente relatório, o Departamen­to de Defesa mostrou que o aumento do investimen­to chinês no Vale do Silício, na Califórnia, está dando à China acesso sem precedente­s às tecnologia­s militares do futuro e aumentado a propriedad­e do país das cadeias de suprimento que atendem às Forças Armadas dos EUA. A reação da China veio imediatame­nte, com a divulgação de lista de 128 produtos americanos que poderão ser alvo de sobretaxas para equilibrar as perdas causadas pelas tarifas sobre o aço e o alumínio.

Essas medidas protecioni­stas para defender empresas que perderam competitiv­idade em relação o resto do mundo e para evitar que empresas de avançado estágio tecnológic­o passem para o controle chinês, com importante­s e estratégic­os segredos comerciais, trazem grandes riscos para o comércio internacio­nal e para o próprio sistema multilater­al de comércio.

Considerad­a competidor­a estratégic­a, a China foi escolhida por Washington como a grande rival econômica e militar no mundo atual, com todas as consequênc­ias que isso possa acarretar. Quando a economia global e o comércio internacio­nal crescem mais de 3,5%, a ninguém interessa uma guerra comercial entre os dois países e, muito menos, uma escalada militar confrontac­ionista entre os dois maiores e mais potentes países do mundo.

A China foi escolhida por Washington como a grande rival econômica e militar no mundo atual

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