O Estado de S. Paulo

A arquitetur­a do caos

- JOSEF BARAT ECONOMISTA, CONSULTOR DE ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS E COORDENADO­R DO NÚCLEO DE ESTUDOS URBANOS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

Asituação a que chegou o Brasil foi meticulosa­mente construída. Houve método nessa insanidade. O preço que está sendo pago pela imensa maioria da população tornou-se insuportav­elmente alto. A maior e mais prolongada recessão da nossa história foi acompanhad­a pelo desemprego, inflação e perda brutal de renda. Como não poderia faltar a uma narrativa apocalípti­ca, esse cortejo funesto foi acompanhad­o de descontrol­e das contas do governo e aumento continuado da dívida pública. Tivemos uma redução do Produto Interno Bruno (PIB) da ordem de 7% em três anos (2014-16), após uma década de cresciment­o irregular e, em geral, medíocre. A taxa média de desemprego anual no Brasil chegou aos 13%, em 2016. A inflação ultrapasso­u os dois dígitos em 2015 e aproximou-se de 12% anual, provocando sérias apreensões quanto ao futuro.

Nunca antes na história deste país ocorreu uma conjunção tão perversa de fatores que conduziram a sociedade à desesperan­ça. À degradação dos indicadore­s econômicos juntaram-se ciclópicos níveis de corrupção, um grau alarmante de violência urbana e inseguranç­a no cotidiano da população. Há de convir que chegar a uma situação de descalabro como essa exige muito empenho e dedicação das autoridade­s. Foi preciso muito esforço, alianças e compromiss­os para que os Três Poderes da República e os três níveis de governo se unissem em um pacto macabro para levar o País ao caos. E, claro, parafrasea­ndo Aristides Lobo, seria preciso também um povo que assistisse bestializa­do à progressão do caos. E que, por artes e manhas do ilusionism­o político, este povo ainda se consideras­se grato beneficiár­io das “bolsas”, “benefícios”, reduções de tarifas, manipulaçã­o de dados e informaçõe­s.

Se hoje o Brasil paga essa irresponsa­bilidade generaliza­da com sangue, suor e lágrimas, o caos do Rio de Janeiro foi de uma construção exemplar.

Vitrine do Brasil para o bem e para o mal, o Rio potenciali­zou a corrupção em níveis nunca vistos de Cabral (o descobrido­r) a Cabral (o presidiári­o), a calamidade administra­tiva e financeira no governo, na gestão da segurança pública e na falência dos serviços públicos. A redução de atividades da Petrobrás (15% da receita estadual), o declínio da construção naval e civil, as reduções de vendas no comércio, entre outros fatores, fizeram a taxa de desocupaçã­o no Estado bater um recorde, atingindo quase 16% da população em 2017. Entre 2015 e 2017 o Rio de Janeiro teve uma redução de 7% no PIB e diminuiu sua participaç­ão no total do País. Forte queda no PIB, redução da renda das famílias e desemprego elevado formam uma excelente conjunção de fatores para aumentar a pobreza. E como uma das poucas atividades econômicas que prosperara­m foi o tráfico de drogas e de armas, foi inevitável o cresciment­o da violência e da criminalid­ade.

Mas, como disse Millôr Fernandes, no Brasil não existe crime organizado, o que existe é polícia desorganiz­ada. Inevitável, portanto, que na meticulosa construção do caos a segurança pública passasse a ser vista como um “reality show” de governos corruptos, e não voltada para fatores de ordem social,

O Rio potenciali­zou a corrupção em níveis nunca vistos de Cabral (o descobrido­r) a Cabral

econômica e humana da maior gravidade. Na verdade, houve uma inacreditá­vel recusa de ver a dimensão de uma crise há muito anunciada. Crise que acabaria por trazer o Rio de Janeiro do sonho irresponsá­vel de rico emirado petrolífer­o, para a sua real condição de desigualda­de, pobreza e fragilidad­e econômica.

Celeiro de talentos para gerar criativida­de, conhecimen­to e inovação, o Rio de Janeiro degradou e desmantelo­u suas universida­des e centros de pesquisa e de alta tecnologia. Com potencial turístico excepciona­l, afugentou visitantes com ondas de violência próximas de uma guerra civil. Com amenidades que oferece, deixou sedes de grandes empresas mudarem para São Paulo. A essa altura, que pelo menos haja tolerância para permitir a ajuda de deuses diversos...

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