O Estado de S. Paulo

Magia de volta

Com ‘Jogador Nº 1’, estreia de hoje, Steven Spielberg parece lembrar como é se divertir

- Brook Barnes THE NEW YORK TIMES DE ROBERTO MUNIZ / TRADUÇÃO

Spielberg ‘recupera a mão’ em Jogador Nº 1, que estreia hoje.

Steven Spielberg, de 71 anos, ajustou os óculos trifocais. Estávamos numa salinha do Universal Studios. Ele brincava com um charuto apagado enquanto falava da euforia com que foi recebido seu novo filme de ficção científica, Jogador N.º 1, que estreia nesta quinta, 29, no Brasil, no South by Southest Film Festival. As pessoas diziam que o caríssimo filme traz de volta os dias de glória de Jurassic Park – O Parque dos Dinossauro­s e E.T. – O Extraterre­stre. “Meu Deus, que noite”, lembrou Spielberg, ainda sorrindo. “Senti como se tivesse 10 anos.”

Mas não havia como escapar de uma pergunta incômoda: ele está tentando mostrar que não perdeu o toque? Os espectador­es saírem da estreia de Jogador N.º 1 dizendo que a velha magia de Steven Spielberg está de volta pode significar também que ele a havia perdido – que seus últimos filmes “divertidos”, incluindo O Bom Gigante Amigo e Indiana Jones e O Reino da Caveira de Cristal, não foram assim tão divertidos.

Mas Spielberg respondeu num tom gentil. “Tenho andado muito ocupado para ter tempo de conviver com sucesso ou fracasso”, disse ele. “Ando sempre depressa e não olho muito para trás. É por isso que não vejo meus filmes numa tela de cinema depois que os faço”, confessou. “Aquela imagem de Gloria Swanson sentada na sala lembrando sua glória passada me persegue”, continua ele, aludindo a Crepúsculo dos Deuses. “E aí prometo a mim mesmo que nunca vou me curvar a reminiscên­cias nostálgica­s.” A menos que ele tenha feito um filme de reminiscên­cias nostálgica­s.

Jogador N.° 1 é uma adaptação do romance de Ernest Cline, de 2011. O livro transborda de referência­s à cultura pop dos anos 1980 – uma era cinematogr­áfica dominada por Spielberg, tanto como diretor quanto como produtor ( De Volta para o Futuro, Os Goonies, Poltergeis­t – O Fenômeno). O título em inglês, Ready Player One, vem das palavras que apareciam num antigo jogo Atari quando a cena mudava. O roteiro, de Zack Penn e Cline, corteja os filmes de John Hughes e incorpora Thriller, de Michel Jackson, Mechagodzi­lla e Chucky. Melodias de Twisted Sister, Van Alen e Joan Jett povoam a irônica trilha sonora.

No filme, o adolescent­e Wade Watts (Tye Sheridan, mais conhecido pelo filme indie Mud) vive num imundo e superpovoa­do camping de trailers em Ohio. O ano é 2045 e a maio- ria dos americanos desistiu de uma vida convencion­al.

As pessoas agora passam o tempo usando óculos de realidade virtual, explorando um suposto mundo em 3D chamado Oásis como se de fato estivessem lá. Oásis, criado por um bilionário excêntrico, é um lugar maravilhos­o e Wade, um saudosista dos anos 1980, e s ua na morada, S a mantha Cook (Olivia Cooke, de Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer), correm para vencer uma caça ao tesouro antes que uma corporação maligna o faça.

Escrevendo sobre Spielberg antes da estreia, o crítico de IndieWire Eric Kohn tuitou: “Em termos de puro espetáculo, é a coisa mais impactante que ele já fez”. Como cineasta, Spielberg oscila entre o prestígio e a pipoca – por exemplo, lançando num mesmo ano A Lista de Schindler e Jurassic Park – O Parque dos Dinossauro­s, e saltando diretament­e de Indiana Jones e o Templo da Perdição para A Cor Púrpura. Mas, ultimament­e, os resultados têm sido mais assimétric­os. Os três últimos fil- mes históricos de Spielberg ( The Post – A Guerra Secreta, do ano passado, Ponte dos Espiões, de 2015, e Lincoln, de 2012) fizeram sucesso, receberam indicações para o Oscar de filme e geraram amplas bilheteria­s. Ao mesmo tempo, seus três últimos filmes voltados para o grande público não correspond­eram às expectativ­as. O mais recente, O Bom Gigante Amigo,

adaptado do livro de Roald Dahl, foi um fracasso de bilheteria.

As Aventuras de Tintin, baseado no personagem de quadrinhos belga e feito com animação motion capture, deu prejuízo à Paramount em 2011. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

deu ótimas bilheteria­s em 2008, mas os fãs em geral detestaram a história. O filme foi considerad­o uma cínica máquina de fazer dinheiro. Isso deixa

Guerra dos Mundos como último blockbuste­r de Spielberg. Mas o filme é de 2005, uma outra era de Hollywood.

“À medida que ele foi envelhecen­do, ficou menos interessad­o em fazer a plateia se emocionar e mais focado em experi-

mentar”, disse Jeanine Basinger, fundadora do programa de estudos de cinema da Wesleyan University. “Mas nem todo experiment­o artístico funciona”, afirmou. “Ele fez vários filmes ‘divertidos’ nos quais falta alguma coisa. O Bom Gigante Amigo é estranhame­nte sem vida. Tintin é elaborado demais. E o último Indiana Jones não é bom.”

Spielberg concorda com Basinger quanto à emoção. “Nos meus primeiros filmes, de Tubarão a Os Caçadores da Arca Perdida e E.T., eu contava a história da plateia para a plateia. Não faço isso desde Jurassic Park, e isso foi nos anos 1990.”

Por que não? “Porque estou mais velho”, responde, com uma gargalhada. “Hoje me sinto mais responsáve­l por contar histórias com significad­o social.” E acrescento­u: “Se tiver de escolher entre um filme 100% voltado para o público e um que me sensibiliz­e, darei sempre preferênci­a à história sobre cultura popular. E, mesmo com pipoca, um filme como Jogador N.º 1 ainda tem de ter significad­o social”.

 ??  ??
 ?? FOTOS WARNER BROS. ?? Tye Sheridan. Ele é Wade Watts, que disputa uma fortuna de meio trilhão de dólares
FOTOS WARNER BROS. Tye Sheridan. Ele é Wade Watts, que disputa uma fortuna de meio trilhão de dólares
 ??  ?? Futuro distópico. O ano é 2045, mas a trama transborda de referência­s à cultura pop dos anos 1980
Futuro distópico. O ano é 2045, mas a trama transborda de referência­s à cultura pop dos anos 1980

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil