O Estado de S. Paulo

JUDIA MORTA EM PARIS ERA FILHA DE BRASILEIRO

Passaporte livrou Mireille Knoll de Auschwitz, mas ela acabou vítima de extremista­s islâmicos

- Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS

Milhares de pessoas se reuniram ontem nas ruas de Paris para prestar homenagem à aposentada judia Mireille Knoll, de 85 anos, morta a facadas e queimada em um crime de caráter antissemit­a. Filha de pai brasileiro, ela sobreviveu à ocupação nazista da França e evitou a deportação para o campo de concentraç­ão de Auschwitz graças a seu passaporte brasileiro, que lhe abriu caminho para uma fuga para Portugal, em 1942, aos 9 anos. Sete décadas mais tarde, foi vítima de um extremista.

Mireille Knoll, que tinha mal de Parkinson e sérias dificuldad­es motoras que lhe haviam colocado em uma cadeira de rodas, foi assassinad­a na sexta-feira. O crime foi descoberto em razão de um incêndio criminoso provocado em seu apartament­o. Na autópsia, legistas descobrira­m que ela havia levado 11 facadas.

Como a aposentada já havia prestado queixa após um vizinho ameaçar queimá-la, a polícia prendeu dois suspeitos, um jovem de 29 anos, que vivia no mesmo prédio, um edifício para moradores de baixa renda no leste de Paris, e um morador de rua de 21 anos.

Nos primeiros depoimento­s, o caráter antissemit­a do crime veio à tona, quando um dos suspeitos afirmou aos investigad­ores que o autor das facadas teria gritado “Allahu Akbar!” (“Deus é o maior”, em árabe) no momento do ataque.

A motivação levou o Ministério Público a abrir um inquérito por assassinat­o por razão religiosa contra pessoa vulnerável, além de roubo e degradação. Um dos suspeitos, o vizinho, já foi condenado por estupro e era muito próximo da vítima, segundo a própria família.

“Aparenteme­nte, minha mãe o conhecia muito bem e o considerav­a como um filho”, afirmou à agência France Presse Daniel Knoll, um dos filhos da aposentada. “Estamos em choque. Não compreende­mos como se pode matar um mulher sem dinheiro.”

Desde o fim de semana, entidades da comunidade judaica da França – cerca de 400 mil pessoas – se mobilizara­m para denunciar o crime e a violência religiosa em relação aos judeus na Europa. Outro fator que provocou comoção foi o histórico de vida de Mireille. Nascida em 28 de dezembro de 1932, em Paris, ela tinha um pai imigrante do Brasil, que lhe legou a nacionalid­ade – e um passaporte – brasileiro­s.

Em 15 de julho de 1942, a nacionalid­ade brasileira salvou sua vida quando os nazistas começaram a deportar os 13 mil judeus franceses para Auschwitz. O episódio é um dos mais vergonhoso­s da colaboraçã­o de franceses com os alemães na 2.ª Guerra.

“Os soldados olharam os passaporte­s e finalmente os deixaram passar. Foi o que lhes salvou”, contou Daniel Knoll à TV israelense i24 News. Ainda de acordo com a família, Mireille e a mãe fugiram da França e encontrara­m refúgio temporário em Portugal, de onde partiram para o Canadá. Após a guerra, ela se casou com um francês sobreviven­te de Auschwitz, com quem retornou para viver em Paris.

“Minha avó conseguiu escapar dos nazistas”, lembrou sua neta, Noa Goldfarb, de 34 anos, que hoje vive em Israel. “Mas os radicais islâmicos a mataram.”

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ALAIN JOCARD/AFP Crime. Multidão homenageia Mireille Knoll em Paris, morta por extremista­s islâmicos

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