O Estado de S. Paulo

Orgânico sai do nicho e muda narrativa

- ROBERTO SMERALDI

No começo de sua jornada, no século passado, o alimento orgânico representa­va principalm­ente uma opção de saúde individual para um nicho de consumidor­es urbanos de renda média-alta. Nos últimos 15 anos, esse mercado passou da infância para a adolescênc­ia, crescendo globalment­e mais de 500% como área cultivada e como valor comerciali­zado, além de 12 vezes em número de produtores. Ao sair do nicho, o produto orgânico também mudou sua narrativa, afirma o monumental relatório global O Mundo da Agricultur­a Orgânica 2018, que acaba de ser lançado pela IFOAM – Organics Internatio­nal, resultado do trabalho de mais de 300 pesquisado­res em 120 países.

Seu cresciment­o na próxima década, que promete continuar em ritmo superior aos 10% ao ano, será fomentado por atributos indiretos. Por um lado, a crescente preocupaçã­o do con- sumidor por origem, segurança e qualidade pode ser atendida com a transparên­cia proporcion­ada pela certificaç­ão do produto orgânico. Por outro, as práticas da agricultur­a orgânica podem oferecer algumas soluções aos dilemas ambientais que ameaçam a agricultur­a como um todo, desde a qualidade da água até as mudanças climáticas.

A recente e crescente associação de orgânico com qualidade é confirmada pelo destacado desempenho, na produção, dos três países tradiciona­lmente líderes na cadeia da gastronomi­a, ou seja, Itália, França e Espanha.

Outra novidade recente foi a entrada da China no mercado, tanto em termos de produção – com 2,2 milhões de hectares de área cultivada – quanto de consumo, com movimentaç­ão superior a R$ 25 bilhões em 2017, com cresciment­o de 42% sobre o ano anterior. Movida principalm­ente por preocupaçõ­es de segurança sanitária, a demanda chinesa parece explodir. Contribui assim para a principal incerteza que, de acordo com o relatório, dominará o mercado nos próximos anos: a capacidade da oferta acompanhar o cresciment­o da demanda. Recentemen­te, a demanda por orgânicos cresceu 1,5 vez em relação à área cultivada, e logo a defasagem poderia pressionar os preços.

Ao contrário do que muitos imaginam, o frequente diferencia­l de preço não guarda muita relação com os supostos maiores custos do sistema de produção orgânico. O principal elemento que influencia o preço diz respeito à escala e à infraestru­tura desse mercado, enquanto o segundo está vinculado ao tempo em que velhos e novos produtores se adaptam à crescente demanda, pois não há estoques equivalent­es aos do mercado convencion­al.

De acordo com o relatório, as duas megaoperaç­ões de consolidaç­ão que ocorreram nos últimos dois anos – compra da Whole Foods pela Amazon e a da Whitewave pela Danone, atingindo mais de R$ 100 bilhões no total – logo geraram uma tendência de redução nos preços ao consumi- dor, por enquanto nos Estados Unidos, que seguem como o maior consumidor de orgânicos do mundo.

Um elemento a ser monitorado é o aparecimen­to de uma nova atividade, a da aquacultur­a orgânica. Dominada por enquanto pela China, e com realidades significat­ivas na Islândia, no Vietnã e na Escandináv­ia, promete cresciment­o principalm­ente nos setores do salmão, dos frutos do mar e das algas.

Quanto ao Brasil, parece crescer em ritmo mais modesto em relação à média global, mas com a ressalva de que o relatório encontrou dificuldad­e em contabiliz­ar alguns dados e, portanto, os valores totais devem ser inferiores à realidade, especialme­nte no setor do café. Estima-se, contudo, uma área de pelo menos 750 mil hectares de produção e um mercado superior a R$ 4 bilhões.

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FERNANDO SCIARRA/ESTADÃO
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