O Estado de S. Paulo

Injustiças do sistema prisional

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Situações desumanas em presídios não são uma exceção, mas, infelizmen­te, a regra.

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os presos submetidos a condições degradante­s têm direito à indenizaçã­o em dinheiro. Situações desumanas em presídios não são uma exceção, mas, infelizmen­te, a regra. São conhecidos os graves problemas de superlotaç­ão carcerária. O processo do STF relatou o caso de um detento que, sem espaço para dormir, tinha de apoiar a cabeça na privada. Como disse o ministro Celso de Mello na ocasião, “esse comportame­nto por parte do Estado é desprezíve­l, inaceitáve­l”.

Embora o Estado trate dessa forma os presos, no dia da eleição ele leva urnas aos presídios para que os presos provisório­s possam votar. Os presos com condenação criminal transitada em julgado estão privados, enquanto cumprem pena, dos direitos políticos, conforme prevê a Constituiç­ão. É louvável, não há dúvida, esse esforço do Estado para que os presos provisório­s possam votar. O esquisito é a contradiçã­o da situação: o poder público trata desumaname­nte o preso ao longo de todo o ano, mas no dia da eleição não poupa energias para colher o seu voto.

Para tornar mais surreal a situação, o voto nas cadeias é caso único. O Estado não vai, por exemplo, aos hospitais colher os votos de quem, por força de uma doença, está impossibil­itado de comparecer à sua zona eleitoral. É evidente que a enfermidad­e não retira os direitos políticos de ninguém.

É um tanto ilusório achar que se assegura ao preso provisório a possibilid­ade de votar por preocupaçã­o com seus direitos e interesses. Não são oferecidas condições mínimas de vida, mas há um régio respeito pelo seu voto. Melhor seria que, em vez de voto, fossem dadas ao preso condições para que, por exemplo, pudesse trabalhar no presídio.

Décadas atrás, era comum o trabalho nos presídios. Eram famosas as bolas de futebol costuradas nas prisões, bem como os serviços de funilaria feitos por presos. A situação inverteu-se. Atualmente, é exceção o presídio que oferece a possibilid­ade de trabalhar.

No ano passado, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciá­ria, vinculado ao Ministério da Justiça, editou resolução desobrigan­do que os presídios tenham uma área de trabalho e de escola. Antes, exigia-se que cada prisão dispusesse de espaços mínimos para essas atividades. É mais um passo no desprezo pelo presente e futuro do preso. Quando se abandona o esforço para oferecer trabalho no presídio, abandona-se de fato a pretensão da função de ressociali­zação da pena, que se torna mera punição.

O trabalho diminuiu e, ao mesmo tempo, cresceu o poder das facções criminosas nos presídios. Aliás, elas nasceram e se desenvolve­ram dentro das prisões, utilizando-se das falhas do sistema penitenciá­rio. O poder do Estado é cada vez mais fraco dentro das prisões. Lá vigora um regime com leis e autoridade­s próprias.

Em tese, os presídios são um símbolo do poder do Estado. Para que seja possível uma convivênci­a social harmoniosa, o poder público impõe limites à liberdade individual. Aos que optam por desrespeit­ar, na esfera penal, esses limites o Estado impõe a sua força, encarceran­do-os. No entanto, hoje as prisões são muitas vezes expressão da fragilidad­e do Estado. Vige um sistema completame­nte disforme, alheio aos princípios mais básicos do Estado Democrátic­o de Direito.

É um engano achar que a decisão de criar o direito à indenizaçã­o por tratamento desumano nos presídios oferece adequado encaminham­ento ao problema. De certa forma, ela aceita e institucio­naliza a agressão. Mais do que dar dinheiro a quem passou pelo inferno das prisões, é hora de compatibil­izar o sistema prisional com os requisitos mínimos da dignidade humana. Além do mais, o direito à indenizaçã­o por danos sofridos na prisão é, em muitos casos, de pouca efetividad­e, já que muitos presos não têm assistênci­a jurídica adequada.

É evidente que esse sistema tão disforme não atende aos interesses dos presos nem da sociedade à qual voltarão quando soltos. A quem, então, interessa? É preciso fazer o sistema penitenciá­rio ter propósitos sadios para a sociedade.

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